Mato Grosso tem hoje 1.786 casos confirmados de Covid-19 entre os povos indígenas, sendo 77 mortos segundo o mais recente boletim epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, divulgado no último sábado (8). De acordo com o órgão, há 17.611 casos confirmados e 311 óbitos entre indígenas em todo o país. Ao todo, 148 povos foram afetados pela pandemia causada pelo novo coronavírus.
São números diferentes dos 23.453 casos e 652 óbitos de indígenas em território nacional computados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A explicação está no fato de os dados da Sesai, obtidos a partir dos boletins epidemiológicos divulgados pelo órgão, não levarem em consideração os casos e óbitos de indígenas no contexto urbano.
“Esta posição contraria as recomendações do Ministério Público Federal (MPF) e as reivindicações de organizações indígenas que defendem que todos os indígenas, residentes em terras tradicionais ou em espaços urbanos, devem ser atendidos pela Sesai”, diz a Abip em nota. “Para abranger os demais casos, que não estão sendo registrados pela secretaria, também incluímos os números da contagem independente que está sendo feita pelas organizações indígenas e sistematizada pela Abip”, prossegue o órgão que divulga os números na página do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Sobre essa disparidade que reflete também nos números em Mato Grosso a Secretaria de Estado de Saúde (SES) afirma que os casos são informados pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), que utilizam outro sistema para fazer essa notificação. Isso pode ocasionar um atraso no fornecimento dos números à SES porque os DSEIs precisam notificar também o município de residência dos indígenas, o que nem sempre acontece com rapidez, informa a assessoria.
Em Mato Grosso há sete DSEIs: Araguaia, Cuiabá, Kayapó MT, Xavante, Xingu, Porto Velho e Vilhena. O distrito com maior número de casos confirmados é o de Cuiabá, com 445 ao todo, seguido dos distritos Xavante e Porto Velho que têm o mesmo número de casos (397). O DSEI Xavante, no entanto, encabeça a lista de distritos com maior número de mortos por conta da Covid, sendo 34 ao todo. Em segundo lugar está o distrito indígena de Cuiabá, com 17.
“Corremos o risco de genocídio dos povos indígenas, há um ambiente de longa duração de ameaça e desprezo pela vida”, diz Ailton Krenak, ambientalista e escritor, considerado uma das maiores lideranças do movimento indígena brasileiro pertencente a etnia indígena crenaque, em Minas Gerais. “Todos os povos indígenas estão enfrentando, com seus próprios corpos, a pandemia e a invasão de suas terras”, alerta.
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Krenak não está exagerando quando menciona a palavra genocídio. Os povos indígenas são mais vulneráveis a viroses, especialmente a infecções respiratórias e, por isso, a pandemia de Covid-19 pode ter consequências muito graves. Doenças respiratórias ainda são a principal causa de mortalidade infantil entre os indígenas. O risco de genocídio é admitido até mesmo pelo Ministério Público Federal.
Mato Grosso já perdeu importantes lideranças indígenas para a doença. Pascoalina Retari, líder indígena da aldeia Guadalupe, morreu no dia 14 de junho. Ela era da terra indígena xavante São Marco, em Barra do Garças e, de acordo com a Defensoria Pública de Mato Grosso, foi a segunda xavante a morrer da doença.
O cacique Domingos Mähörö, de 60 anos, também morreu de Covid-19 no dia 06 de julho. Ele era considerado uma das mais importantes lideranças indígenas xavante.
No dia 22 de julho, também vitimado pela doença causada pelo novo coronavírus, morreu o líder indígena Nelson Mutzie Rikbaktsa, de 48 anos, um dos responsáveis pela implantação do sistema de saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena, tanto em Mato Grosso quanto em Rondônia.
Líder do Alto Xingu, Aritana Yawalapiti, de 71 anos, morreu vítima da Covid-19 no dia 05 de agosto. Cacique desde os 19 anos Aritana era um dos homens mais respeitados da região, conhecido por sua luta pela garantia dos direitos dos povos indígenas e profundo conhecedor da cultura yawalapiti.
Poder público
Para evitar mais contaminações e mortes de indígenas e garantir a assistência a estes povos durante a pandemia o Supremo Tribunal Federal (STF), em votação unânime no dia 05 de agosto, determinou que o governo federal adote medidas de proteção com a elaboração e o cumprimento de um plano de enfrentamento da Covid-19.
A decisão atendeu à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e um conjunto de partidos políticos, e confirmou de forma integral a liminar do relator da ação, o ministro Luís Roberto Barroso. No início de julho, o ministro havia determinado que o governo Bolsonaro adotasse as medidas de proteção aos povos indígenas.
Entre as determinações da Suprema Corte ao governo federal estão a instalação de grupo de trabalho, com participação de representantes do governo e dos indígenas, para acompanhar o andamento das ações gerais de combate à pandemia, a instalação de uma sala de situação para a gestão de ações para os povos indígenas isolados e de recente contato e a criação de barreiras sanitárias em terras indígenas de povos isolados.
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O STF também estabeleceu um prazo de 30 dias para que o governo federal elabore um Plano de Enfrentamento à covid-19 e garanta o acesso dos indígenas ao Subsistema Indígena de Saúde (Sasi-SUS), independentemente da fase de demarcação da terra indígena onde vivem. A Corte determinou, ainda, que os indígenas que vivem em contexto urbano também devem ter garantia de acesso ao Sasi-SUS, caso não consigam ser devidamente atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Em Mato Grosso o governo deu início, no final de julho a uma operação conjunta de combate à Covid-19 na etnia xavante na Aldeona (90 km de Campinápolis). A iniciativa, que ocorre em três etapas, é fruto de uma parceria entre a Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, o Ministério da Defesa e a Secretaria Estadual de Saúde (SES-MT).
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Nas três fases da operação, de acordo com o planejamento estratégico, é estimado um total de 18,2 mil atendimentos exclusivos à população indígena; a região conta com aproximadamente 22 mil índios. Segundo a SES, estão sendo realizados testes e distribuídos kits de medicamentos para o tratamento do novo coronavírus. O cronograma da Sesai foi elaborado com base nos perfis epidemiológicos das regiões indígenas e prevê que a ação também contemple a região do Xingu.