“Para garantir o Estado Democrático de Direito, precisamos assegurar condições materiais mínimas de existência, solidariedade entre as pessoas e políticas sociais, especialmente no campo do trabalho. Só assim as pessoas terão oportunidade de realizar seus sonhos — e, assim, fortalecerão a democracia e o cumprimento da Constituição.” A afirmação foi feita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, durante palestra no IV Congresso Nacional e II Internacional da Magistratura do Trabalho, onde ele ressaltou os desafios estruturais que o país enfrenta na promoção de justiça social.
Ao longo da exposição, Dino destacou que o Poder Judiciário, por sua natureza, atua como instância de contenção de abusos — não apenas de poderes estatais, mas também de poderes privados. Segundo ele, o sistema de justiça deve ser compreendido como um freio às desigualdades e um garantidor dos direitos fundamentais previstos na Constituição, que incluem os direitos individuais e os direitos sociais.
O ministro criticou a ideia recorrente de que o Brasil “tem muitos impostos”, afirmando que o problema central não é a carga tributária em si, mas o perfil regressivo do sistema. “Os mais pobres pagam, proporcionalmente, muito mais do que deveriam, porque estão submetidos sobretudo aos impostos indiretos sobre o consumo”, explicou. Dino comparou o modelo brasileiro a países da OCDE, que possuem estruturas tributárias mais progressivas. Como exemplo, mencionou que toda a arrecadação do Imposto Territorial Rural (ITR) no país é inferior à arrecadação do IPTU de uma única área nobre de São Paulo — evidenciando distorções históricas na tributação patrimonial.
O ministro também abordou o impacto da revolução tecnológica no Direito, destacando que a transformação digital exige escolhas firmes do sistema de justiça, especialmente no enfrentamento de discursos de ódio e ameaças nas plataformas digitais. “Liberdade de expressão não pode ser escudo para apologia ao crime, racismo ou violência contra mulheres, população LGBTQIA+ e trabalhadores”, afirmou, reforçando que o cumprimento da lei não é ativismo judicial, mas dever constitucional.
No campo trabalhista, Dino classificou como o grande impasse do momento a convivência entre novas formas de trabalho — temporário, intermitente, autônomo — e a necessidade de evitar que essas modalidades resultem em precarização. Para ele, o debate não deve ser entre CLT e novas formas de trabalho, mas entre trabalho digno e trabalho sem direitos. O ministro defendeu que cabe ao Judiciário construir interpretações que assegurem proteção mínima, mesmo quando a relação formal não é de emprego.
Ao comentar julgamentos recentes e futuros do STF, como o Tema 1.089 (competência da Justiça do Trabalho para casos de pejotização), Dino destacou que qualquer solução precisa levar em conta consequências fiscais e estruturais. Afirmou ainda que a Constituição deve ser “levada a sério” e interpretada para proteger tanto quem deseja ter vínculo celetista quanto quem opta legitimamente por atuar como autônomo, sem que isso signifique renúncia a direitos fundamentais básicos.
Dino encerrou a palestra com uma reflexão sobre o risco que a desesperança e o ressentimento representam para as instituições democráticas. Relembrando o contexto que levou ao nazismo na Alemanha, afirmou que sociedades desamparadas e desiguais são terreno fértil para rupturas autoritárias. “Só existe democracia com felicidade”, disse, reforçando que o Estado deve garantir condições para que todos possam viver com dignidade.
O Congresso é uma realização da Academia Brasileira de Formação e Pesquisa (ABFP) juntamente com a Associação Brasileira dos Magistrados do Trabalho (ABMT). O evento ocorre em Foz do Iguaçu, no Bourbon Cataratas.






