O ministro Kassio Nunes Marques, primeiro indicado do presidente Jair Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal), já se posicionou ao menos 20 vezes a favor do governo desde que chegou ao tribunal.
Além de ter dado decisões que beneficiaram o Palácio do Planalto, o magistrado votou de acordo com os interesses do chefe do Executivo na maioria dos julgamentos importantes dos quais participou.
O alinhamento ocorreu em questões políticas, como na análise das ações do ex-presidente Lula (PT) e no veto à reeleição do deputado Rodrigo Maia (sem partido-RJ) no comando da Câmara, e em temas econômicos, como no caso bilionário da inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
O ministro chegou ao Supremo há oito meses e, nesse período, se expôs e desagradou colegas internamente ao se alinhar a Bolsonaro. O momento de maior tensão foi quando autorizou a realização de missas e cultos durante a pandemia em todo o Brasil.
Na visão de parte da corte, o magistrado passou por cima da jurisprudência consolidada do tribunal de conceder autonomia a governadores e prefeitos para atuar no combate à Covid quando derrubou decretos locais que vetavam celebrações religiosas.
O magistrado, porém, afirmou que analisou apenas a constitucionalidade das normas regionais e que não violou o entendimento da corte de dar poderes a estados e municípios para conter a pandemia.
Ao final, o plenário da corte, por 9 a 2, revogou a ordem judicial do ministro. Apesar do desgaste interno, ele agradou o presidente, que publicou a decisão nas redes sociais.
Em julgamentos tributários, o ministro seguiu a linha que adotava desde a época em que era juiz do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) e votou para evitar prejuízos à União.
Na análise do recurso que discutia a chamada "tese do século", o julgamento de maior impacto fiscal da história do Supremo, Kassio votou para que o ICMS a ser retirado da base de cálculo do PIS e da Cofins fosse o destacado na nota fiscal, e não o efetivamente pago.
O entendimento do magistrado reduziria significativamente o prejuízo da decisão aos cofres públicos, que poderia ser superior a R$ 230 bilhões, mas ele ficou vencido.
No julgamento sobre uma lei de 2004 que permitiu a redução ou o restabelecimento das alíquotas de PIS e Cofins por norma infralegal, que poderia gerar prejuízo de R$ 32,8 bilhões ao governo federal, ele também votou em favor do Executivo.
Em conversas reservadas, o ministro costuma afirmar que sempre defendeu a autocontenção do Judiciário e observou a separação entre os Poderes.
A interlocutores ele diz que o importante é avaliar sua atuação a longo prazo e comparar se adotará postura diferente em relação a outros governos ou se manterá a coerência em decisões que comprometem atos do Executivo ou do Legislativo.
No STF, o ministro adotou essa postura, por exemplo, quando foi o único a votar a favor da manutenção da Polícia Nacional de Educação Especial, que foi instituída por Bolsonaro e invalidada por 10 a 1 no STF.
Em relação à CPI da Covid, o ministro deu duas decisões alinhadas aos interesses do governo: suspendeu a quebra dos sigilos de Elcio Franco, ex-número dois de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, e de Hélio Angotti, que foi secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos da pasta.
Segundo o magistrado, a CPI não expôs devidamente qual crime eles teriam cometido.
Kassio, porém, também desagradou o governo em relação à comissão parlamentar de inquérito. Foi ele quem autorizou o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, inimigo de Bolsonaro, a permanecer em silêncio em seu depoimento na comissão do Senado.
O ministro também sinalizou para o governo em julgamentos em que os interesses do Executivo não estavam diretamente ligados.
Na ocasião em que a corte julgou o senador Márcio Bittar (MDB-AC) e ampliou o foro especial de deputados federais e senadores nos chamados "mandatos cruzados", ele apresentou uma tese que vai ao encontro do que tem afirmado a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), denunciado pela prática da "rachadinha".
A decisão do Supremo se limitou à situação de parlamentares federais, que passaram a manter o foro perante o STF quando trocam um mandato na Câmara por outro no Senado ou vice-versa.
O ministro, porém, aproveitou para afirmar que é a favor da manutenção do foro em todas as ocasiões, e não apenas em relação aos integrantes do Congresso.
A tese é idêntica à de Flávio, que pede para não ser investigado em primeira instância no caso das "rachadinhas" porque era deputado estadual na época dos delitos que o levaram a ser denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
Em junho do ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu o foro especial para que o processo contra o filho de Bolsonaro tramite em segunda instância e retirou o caso das mãos do juiz Flávio Itabaiana, que vinha dando decisões contra Flávio.
O próprio TJ-RJ, um mês depois, reconheceu que a decisão pode ter sido "inédita", mas afirmou que não foi "absurda".
O Ministério Público fluminense recorreu ao Supremo sob argumento de violação à jurisprudência do tribunal, mas uma deliberação final sobre o tema ainda está pendente, e Kassio deve participar deste julgamento.
Na discussão sobre o Censo, Kassio deu o voto mais favorável ao governo. O ministro Marco Aurélio havia determinado ao governo que desse condições ao IBGE para realizar o levantamento ainda neste ano.
A maioria dos ministros, porém, derrubou a decisão do colega e afirmou que o Executivo é obrigado a realizar o Censo apenas em 2022. Kassio, por sua vez, disse que não cabe ao STF neste momento impor qualquer obrigatoriedade ao Executivo.
O ministro também adotou posições que impediram eventuais derrotas de Bolsonaro na corte.
No julgamento do mandado de segurança em que Marco Aurélio votou para proibir Bolsonaro de bloquear seguidores nas redes sociais, Kassio pediu destaque e interrompeu a análise do tema no plenário virtual. Até o momento, o julgamento não foi retomado.