O governador Mauro Mendes (UB) fez crítica severa à COP 30, conferência climática realizada em Belém, e anunciou ação judicial do governo estadual contra decreto do presidente Lula que ampliou demarcação de terras indígenas em Mato Grosso. A fala do chefe do Executivo coloca em primeiro plano o conflito entre a política ambiental federal e os interesses econômicos e territoriais do estado.
Mendes questionou a efetividade da COP 30 e criticou suas motivações. "Talvez para fazer uma média lá com os gringos, passar um sinal, que eu acho que desnecessário nesse momento", afirmou o governador sobre o momento escolhido por Lula para assinar os decretos demarcatórios. "A COP eu tenho visto pouco resultado positivo, tenho ouvido muita coisa negativa, com relação ao próprio desempenho e os resultados", complementou Mendes.
O governador antecipou sua avaliação sobre o resultado final da conferência. "Provavelmente, mais uma vez, não só a nossa em Belém, mas de todas as COP, vai ser um fracasso, vai ser algo pífio", declarou Mendes, expressando pessimismo sobre conferências climáticas em geral.
Mendes acusou duplicidade dos países desenvolvidos. "Os países desenvolvidos, na prática, eles continuam aumentando o consumo de carvão, que é altamente poluente para o planeta, continuam aumentando o consumo de petróleo, que é altamente poluente para o planeta, e fica exigindo de nós, Brasil e de outros países, o sacrifício", argumentou o governador.
O chefe do Executivo descreveu a situação como injusta. "Enquanto eles lá fazem o que bem entendem, o que é bom para o país deles, ficam impondo e querendo cobrar de nós que façamos a nossa parte", criticou Mendes, apontando o que considera como hipocrisia internacional.
Mendes destacou a contribuição brasileira em produção de alimentos. "Nós já fazemos, gente, porque ninguém tem no planeta uma produção tão grande de alimentos como o Brasil tem, que produz e preserva sessenta por cento do seu território, como é o caso de Mato Grosso", afirmou o governador. "Produzir alimentos é algo muito importante para o Brasil e para o mundo", acrescentou.
O governador questionou críticas que defendem preservação total. "Tem gente que fala assim: Ah, mas tinha que preservar tudo, reflorestar tudo. Você vai comer o que depois? Está bom, vamos parar de plantar aqui no Mato Grosso? Vamos parar de criar gado? Ótimo! Vai comer o que depois?", perguntou Mendes de forma retórica.
Ilustrou a realidade econômica com exemplo. "Um dia eu falei para um cara que veio com uma bobagem dessa: Vai comer o quê? Está bom, vamos transformar Mato Grosso todinho num numa grande floresta de novo, deixar reflorestar tudo. Vamos mudar todo mundo daqui, vamos criar grandes favelas lá para São Paulo", exemplificou o governador.
Mendes enfatizou as consequências práticas. "E aí, você vai comer o quê? Para onde vai parar o preço da carne, sem a carne de Mato Grosso? Onde vai parar o preço dos alimentos, sem os alimentos que o Mato Grosso produz?", questionou, conectando política ambiental a impactos econômicos tangíveis.
Sintetizou seu pensamento. "Então nós precisamos produzir. Produzimos muito e preservamos muito. Ninguém no mundo faz aquilo que o Brasil faz, de produzir alimentos como nós fazemos", declarou Mendes com convicção sobre a singularidade da abordagem brasileira.
O decreto presidencial
Na segunda-feira, 18 de novembro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decretos homologando a demarcação administrativa de três terras indígenas em Mato Grosso: Manoki, Uirapuru e Estação Parecis. As três áreas somam aproximadamente 274 mil hectares e são habitadas pelos povos Irantxe-Manoki e Paresí.
A ampliação específica que motivou a reação de Mendes refere-se à Terra Indígena Manoki. A área, tradicionalmente reconhecida com cerca de 46 mil hectares, teve sua dimensão ampliada para aproximadamente 250 mil hectares, totalizando mais de cinco vezes sua extensão original. A ampliação ocorre em contexto de conferência climática internacional e marca a 20ª homologação realizada desde o início da gestão Lula em 2023, somando cerca de 2,5 milhões de hectares em 11 estados.
A questão legal
Mendes baseou sua crítica no artigo 13 da Lei nº 14.701, sancionada em outubro de 2023. O artigo em questão estabelece vedação explícita à ampliação de terras indígenas já demarcadas. "Aquela Lei 14.701, no seu artigo décimo terceiro, ela fala claramente: não se pode aumentar reserva indígena já demarcada. É vedado! Está escrito claramente: é vedado você fazer a ampliação de reserva indígena já demarcada", declarou o governador.
Mendes especificou os números. "Essa Manoki, ela tinha quarenta e seis mil hectares. E o presidente Lula agora transformou essa reserva, aumentou ela para duzentos e cinquenta e dois mil hectares, para quatrocentos índios", informou, apontando a discrepância entre área ampliada e população indígena.
O governador questionou a lógica da ampliação. "E na prática, eles fazem isso, criam terra, criam terra e tem índio morrendo de fome aí nas aldeias, no Brasil inteiro. Tem índio com problema de saúde. A FUNAI, que devia cuidar desses índios, não cuida, que devia dar assistência, não cuida", alegou Mendes.
Criticou a política federal para povos indígenas. "O governo federal, que é o responsável para cuidar da população dos indígenas, ela não consegue fazer! Os indígenas estão sofrendo na maior parte das aldeias. Muitos gostariam de trabalhar, como o povo parecido aqui trabalha", argumentou o governador.
Mendes acusou manipulação política. "O FUNAI não deixa, o IBAMA não aprova, ou seja, eles querem os índios pobre, dependendo do governo, dependendo de esmola de ONG, para ficar usando eles. Isso na prática é o que está acontecendo", afirmou o chefe do Executivo, sugerindo que demarcações servem a interesses políticos.
Contexto e debate jurídico
A Lei nº 14.701/2023 institucionalizou o marco temporal para demarcação de terras indígenas, exigindo que povos indígenas estivessem fisicamente presentes nas áreas reivindicadas em 5 de outubro de 1988 para que a demarcação fosse considerada válida. O artigo 13 da lei estabelece, especificamente, que "é vedada a ampliação de terras indígenas já demarcadas".
Contudo, a norma tem sido alvo de críticas jurídicas significativas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) argumenta que a disposição é inadequada, pois a revisão de limites não implica ampliação, mas sim correção de demarcações anteriores que podem não ter respeitado adequadamente a territorialidade e a cultura dos povos indígenas.
O Ministério Público Federal também tem se manifestado contra aspectos da Lei nº 14.701/2023, considerando dispositivos como inconstitucionais e incompatíveis com direitos reconhecidos pela Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade da tese do marco temporal em decisões anteriores, criando contexto jurídico complexo e contraditório.
Mendes não entrou em detalhes sobre o debate jurídico subjacente, mas utilizou a Lei nº 14.701/2023 como base legal para sua contestação. "O governo de Mato Grosso, ontem eu falei com o meu procurador, li a legislação, pode olhar aí, Lei 14.701. Nós vamos preparar, estamos preparando uma ação", comunicou o governador.
Interesses estrangeiros e impacto econômico
Mendes acusou interferência estrangeira na política ambiental brasileira. "Para vim aqui o senhor Macron, por exemplo, fazer uma visita para o Raoni, tirar fotografia, dar um dinheirinho e dizer que é contra a Ferrogrão. Por quê? Porque a Ferrogrão vai melhorar a competitividade dos produtos mato-grossenses nas exportações. E eles não querem isso, porque eles são nossos concorrentes", denunciou o governador.
Mendes afirmou que potências estrangeiras utilizam a questão ambiental como ferramenta geopolítica. "Então esses caras lá fora estão preocupados é com o país deles, com os interesses deles, e ficam usando o meio ambiente", argumentou.
Ilustrou a duplicidade internacional com exemplo específico. "Olha lá na margem equatorial. Tem uma linha imaginária, do lado de cá é Brasil, do outro lado lá é dos franceses. Está lá os franceses tirando petróleo. E do lado de cá dessa linha imaginária, a duzentos e cinquenta quilômetro, da praia, nós não podemos nem pesquisar, porque o IBAMA não deixa. Porque diz que isso vai afetar as comunidade indígena lá dentro", descreveu o governador.
Completou a crítica. "Do outro lado, poucos quilômetros depois, está lá os franceses, está lá a Guiana Francesa, está lá a Exxon, uma grande multinacional, internacional de petróleo, extraindo petróleo, extraindo. Do nosso lado, não pode nem pesquisar, porque senão vai acabar. Ah, tenha santa paciência. Isso é muita hipocrisia, é muita imbecilidade", desabafou Mendes.
Impacto em comunidades locais
Mendes apontou consequências da ampliação para famílias de agricultores. "E lá, nessa área, o que é pior: tem centenas de famílias que trabalham, que produzem, que plantam, têm um cadastro ambiental rural emitido, e alguns deles foi emitido, inclusive, por decisão judicial", informou o governador.
Questionou a legitimidade de ações executivas. "Olha só, a Justiça manda fazer e vem um executivo agora e faz uma lambança dessa?", perguntou Mendes, apontando contradição entre decisões judiciais e atos presidenciais.
Lamentou as consequências gerais. "Ah, tenha santa paciência. Fica criando problema para nós mesmos aqui, e o Brasil não anda com isso e fica perdendo tempo para essas confusões", concluiu o governador sobre o impacto da demarcação ampliada.






