NOTICIÁRIO Quarta-feira, 20 de Agosto de 2025, 15:54 - A | A

Quarta-feira, 20 de Agosto de 2025, 15h:54 - A | A

DA SERIE OS INIMIGOS DO BRASIL

O novo Código Eleitoral e os riscos de um retrocesso democrático

Mauro Camargo

A recente aprovação do novo Código Eleitoral na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado não representa uma mera atualização de normas, mas sim um campo de batalha ideológico cujos resultados podem redefinir a própria natureza da democracia brasileira. Sob o pretexto de modernização, o texto embute propostas que, em vez de fortalecer, ameaçam a equidade, a transparência e a legitimidade do processo eleitoral. Uma breve análise das mudanças propostas revela uma agenda política clara, capitaneada pela extrema-direita e seu principal expoente, o Partido Liberal (PL), que atua de forma calculada para promover retrocessos legais e institucionais.

A mudança mais alarmante e antidemocrática é, sem dúvida, a permissão para o autofinanciamento ilimitado de campanhas, restrito apenas ao teto de gastos do cargo. Esta medida é a legalização da plutocracia, um golpe direto no princípio da isonomia entre os candidatos. Ao permitir que um indivíduo rico injete milhões de reais do próprio bolso em sua campanha, o sistema cria uma barreira quase intransponível para candidatos de classes sociais menos favorecidas, como lideranças comunitárias, professores, sindicalistas ou pequenos empreendedores.

O argumento de que se trata de "dinheiro próprio" é uma falácia que ignora a essência da competição política. Uma eleição não deve ser um leilão, onde o cargo é arrematado por quem tem mais recursos, mas uma disputa de ideias e projetos. A medida beneficia exclusivamente os ricos e estabelece uma "desigualdade completa" na disputa. O efeito prático será a consolidação definitiva de oligarquias políticas e a exclusão de novas vozes, tornando o Legislativo um clube ainda mais fechado para a elite econômica.

A reintrodução do voto impresso é outro retrocesso flagrante, uma solução em busca de um problema inexistente. O sistema de urna eletrônica brasileiro é auditável e reconhecido internacionalmente por sua segurança e celeridade. A insistência nessa pauta, já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não tem como objetivo real a transparência, mas sim a criação de um mecanismo para tumultuar e contestar resultados eleitorais.

A justificativa do senador Carlos Portinho de que a medida serve para "pacificar o país" é um eufemismo perigoso. A paz não se constrói fomentando a desconfiança nas instituições. O voto impresso cria uma duplicidade de registros que, em vez de pacificar, abre margem para contestações intermináveis, recontagens caóticas e narrativas fraudulentas sobre votos "desviados" ou "perdidos". É a ferramenta perfeita para quem deseja minar a credibilidade do processo eleitoral e, em caso de derrota, clamar fraude, exatamente como visto em outras democracias sob ataque da extrema-direita.

É impossível analisar essas mudanças sem reconhecer a digital da extrema-direita, articulada pelo PL e seus aliados. As propostas aprovadas não são pontos isolados; elas formam uma estratégia coesa para moldar as regras do jogo a seu favor.

A combinação do voto impresso com a flexibilização das penas para fake news e a exclusão do crime de "deslegitimar o processo eleitoral" é a receita para o caos. O PL e seus aliados criam, ao mesmo tempo, a ferramenta para contestar o resultado (voto impresso) e o salvo-conduto legal para quem espalha mentiras sobre a lisura das eleições. É um movimento que visa proteger os propagadores de desinformação enquanto ataca a integridade do sistema.

Permitir o autofinanciamento ilimitado beneficia diretamente o perfil de candidato que compõe a base de apoio do partido: empresários, ruralistas e figuras de grande poder aquisitivo. A estratégia é clara: substituir a força das propostas populares pela força do dinheiro, garantindo que seus aliados tenham uma vantagem desleal na disputa.

Ao aprovar uma medida já julgada inconstitucional pelo STF (o voto impresso), o grupo político envia um recado de confronto direto ao Judiciário, testando os limites dos freios e contrapesos da República. É uma demonstração de força que busca subjugar a interpretação constitucional à vontade política de uma maioria parlamentar circunstancial.

A tentativa inicial de derrubar a cota de 30% para candidaturas femininas, embora revertida (por enquanto) pela pressão da bancada feminina, revela a verdadeira face do projeto. A manutenção da cota não foi uma concessão, mas uma vitória da resistência contra um retrocesso evidente. A agenda subjacente é hostil aos mecanismos que promovem a diversidade e a inclusão na política.

O fato é que as mudanças propostas no Código Eleitoral, impulsionadas pela articulação da extrema-direita, representam um grave risco para o Brasil. Elas pavimentam o caminho para eleições mais desiguais, suscetíveis à desinformação (uma das mais fortes ferramentas do extremismo) e ao poder do dinheiro, e com mecanismos embutidos para a contestação de resultados. Não se trata de aprimoramento, mas de uma tentativa deliberada de corroer os pilares da democracia brasileira em favor de um projeto de poder autoritário e excludente.

Portanto, a encruzilhada de 2026 deposita sobre os ombros de cada eleitor uma responsabilidade histórica. A urna não será apenas um instrumento de escolha, mas a principal trincheira na defesa de um projeto de nação plural e democrática. Caberá à sociedade, por meio do voto consciente, assegurar um mínimo de equilíbrio ao Congresso Nacional, estabelecendo um contrapeso vital para frear a agenda extremista. A omissão ou a escolha desinformada pode custar caro, pois o que está em jogo não é apenas o resultado de uma eleição, mas a própria capacidade do Brasil de resistir a um perigoso retrocesso civilizatório, impedindo que o país seja arrastado para uma era de autoritarismo e obscurantismo.



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