AMOR SEM MEDO Terça-feira, 19 de Agosto de 2025, 05:12 - A | A

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PERSEGUIÇÃO OBSESSIVA

Stalking: violência silenciosa que atinge cada vez mais mulheres em Mato Grosso

Michely Figueiredo
Da Editoria

Uma das faces da violência contra a mulher é a perseguição, conhecida também como “stalking” na língua inglesa. Essa prática, que foi transformada em crime no Brasil em 2021, consiste em perseguir de forma violenta e obsessiva. O alvo pode ser tanto homem quanto mulher, mas quando se observa os dados, a predominância se dá na perseguição do homem contra a mulher. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2025, apontam um crescimento de 18,97% dos casos de perseguição contra mulheres no estado de Mato Grosso. Em 2023, foram 1.808 registros, enquanto em 2024 - dados que baseiam o Anuário deste ano - foram 2.151 casos. 

“A tipificação do crime no Brasil foi muito mais resultante de uma luta política do que de um caso específico. A Lei Maria da Penha, que foi desenvolvida para proteger as mulheres, não incluía o stalking, pois o tema não era discutido na década de 2000. Muitas mulheres tentavam denunciar, mas não eram ouvidas por falta de tipificação legal. Assim, houve um movimento para inserir o stalking no rol de violências de gênero, e, mais do que tudo, isso se deve a uma crescente luta pelos direitos das mulheres”, explica o psicólogo Gabriel Mendes. 

Antes da mudança legislativa, a perseguição era classificada apenas como contravenção penal. O artigo 147-A no Código Penal classifica a perseguição como condutas repetidas que causem medo, intimidação ou prejudiquem a liberdade da vítima. A pena prevista é de 6 meses a 2 anos, além de multa. A penalidade pode ser aumentada em 50% quando for cometida contra a mulher por razões de gênero. O acréscimo na punição também é previsto no caso do uso de armas ou da participação de duas ou mais pessoas.

“O conjunto de comportamentos é que nos permite afirmar que se trata de stalking. Uma quantidade exacerbada de ligações ou mensagens, mesmo após a pessoa afirmar que não deseja mais isso, é um exemplo claro de que o consentimento foi quebrado, e isso nos leva a afirmar que está acontecendo stalking. Às vezes, em relações desiguais, a pessoa não percebe que está sendo vítima e fica confusa sobre o que está acontecendo, mas isso a torna uma vítima sim”, reforça o psicólogo Gabriel Mendes, destacando que há fatores predominantes nos casos de stlaking, como violência de gênero e sentimento de posse. 

No livro “Stalking: atos persecutórios obsessivos ou insidiosos”, os autores Mario Luiz Ramidoffe e Cesare Triberti (2017, p. 33) mencionam que, diante dos estudos sobre a temática de stalking, emerge um dado constante em relação ao gênero preponderante nas vítimas. A maioria dos casos de violência com base em stalking é perpetrada por homens contra mulheres, e um número significativo desses episódios termina com um crime violento.

Neste sentido, em relação ao perseguidor que teve um relacionamento afetivo com a vítima, Jorge Trindade, autor do livro “Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito”,  observa que esse tipo de perseguidor apresenta maior gravidade e risco em cometer delitos graves, porque a relação pré-existente entre agressor e vítima a deixa mais vulnerável, devido ao conhecimento de seus hábitos, de suas dificuldades e limitações. Dados da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima constataram que, em Portugal, 32% das vítimas relataram que seus perseguidores eram ex-parceiros. 

“O stalking pode começar com tentativas de controle social da vítima. O stalker, quando age de forma maliciosa, tenta controlar a rede de apoio da vítima, isolando-a. Quando uma pessoa está socialmente isolada, é mais fácil manipulá-la. Esse isolamento social é o primeiro passo. Depois, vem o controle das redes sociais, onde o stalker tenta monitorar e restringir os contatos da vítima. Esse cenário de controle leva à manipulação, onde o stalker distorce a realidade da vítima para fazê-la acreditar que suas ações são sinais de amor, criando uma dinâmica de dependência. E, quando a vítima finalmente tenta se afastar, pode ocorrer a escalada para ameaças, o que é extremamente perigoso”, salienta Gabriel Mendes.

A orientação é sempre buscar auxílio. Constatada a perseguição, medidas protetivas podem ser concedidas. Procure a Delegacia da Mulher mais próxima para registrar o caso. Caso o stalking ocorre de maneira digital, o “cyberstalking”, é indicado juntar o maior número de provas, tirar prints das ameaças feitas de forma online. 

“A coisa primordial é buscar uma rede de apoio, pois uma vítima de stalking frequentemente é retirada de sua rede de suporte. Tente reestabelecer esses laços. Depois, busque o poder público. Hoje existem delegacias especializadas em proteger as vítimas. Não sofra sozinha e não guarde isso para si; a comunicação é fundamental para abandonar a posição de vítima. Os impactos são diversos, especialmente quando a vítima já estava em uma relação anterior. Estabelecer vínculos verdadeiros se torna desafiador, pois é necessário recuperar a confiança, algo muitas vezes prejudicado. Além disso, é comum que vítimas desenvolvam transtornos de ansiedade generalizada, principalmente em situações onde acham que estão expostas ao stalker. Esse trabalho de reconstrução de autoestima e segurança pode levar anos”, revela Gabriel Mendes. 

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