A Agência Brasil, em reportagem do jornalista Lucas Pordeus León, relata que o Projeto de Lei (PL) 2.162/2023, conhecido como PL da Dosimetria, reduz o tempo mínimo para progressão de regime prisional em alguns casos, incluindo condenados pela tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, como o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Especialistas em direito consultados pela Agência Brasil afirmam que a mudança afeta criminosos comuns, além dos envolvidos nos atos golpistas. Rodrigo Azevedo, professor de direito da PUC do Rio Grande do Sul e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, explica que o PL padroniza a progressão em um sexto da pena, ou 16%, para certos delitos.
“Na prática, ela beneficia sim criminosos comuns, pois padroniza o marco básico de progressão em um sexto da pena, reservando percentuais mais altos apenas para crimes violentos e hediondos. Isso representa um afrouxamento relevante em relação ao sistema atual, que exige 20% para primários e 30% para reincidentes, mesmo em crimes sem violência”, disse Azevedo à Agência Brasil.
João Vicente Tinoco, professor de direito da PUC do Rio e advogado criminalista, também aponta benefícios para condenados por diversos tipos de crimes. “Quando veio a legislação em 2019, do pacote anticrime, a situação dos presos se agravou. O que o PL da Dosimetria faz agora é dar um passo atrás. Ele não volta totalmente [ao texto antes de 2019], mas dá um passo atrás em relação a algumas das hipóteses”, afirmou Tinoco.
O relator do projeto, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), defendeu o texto durante a sessão de aprovação na Câmara. “Não há nenhuma possibilidade de este texto beneficiar crime comum. Ele trata apenas do 8 de Janeiro. Os principais juristas deste país, os mais renomados, bateram o martelo: este texto não trata de crime comum”, declarou o parlamentar.
Rodrigo Azevedo contesta o argumento do relator, destacando a aplicação geral da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984). “A Lei de Execução Penal é uma lei geral, que disciplina a forma de cumprimento de penas para todas as pessoas condenadas no país. Não existe, no sistema constitucional brasileiro, a figura de uma lei de execução penal aplicável apenas a um grupo específico de condenados”, afirmou o professor.
Azevedo exemplifica o impacto em crimes comuns, como roubo. Hoje, um condenado por roubo precisa cumprir 40% da pena para progredir de regime. “Com o texto aprovado, se for primário, poderá progredir após 25%, mostrando que a mudança afeta diretamente crimes comuns e não apenas os casos do 8 de janeiro”, completou.
Entenda o texto do PL 2.162/2023
O projeto permite a progressão de regime prisional – do fechado para o semiaberto, ou do semiaberto para o aberto – após o cumprimento de um sexto da pena, equivalente a 16% do total da condenação. Atualmente, essa progressão em 16% aplica-se apenas a réus primários em crimes sem violência ou grave ameaça.
Para reincidentes em crimes hediondos, o tempo atual pode chegar a 70% da pena. O PL da Dosimetria estende a progressão em 16% a condenados por crimes com violência ou grave ameaça, como a tentativa de golpe de Estado.
O texto inclui exceções que elevam o percentual mínimo conforme o tipo de crime. Para infrações nos títulos 1 e 2 do Código Penal – crimes contra a pessoa e contra o patrimônio –, o tempo para progressão sobe para 25%.
João Vicente Tinoco observa que nem todos os crimes violentos estão nesses títulos. “O problema é que tem uma série de outros crimes que igualmente não estão nos títulos 1 e 2 do Código Penal e que são praticados com violência grave e ameaça, e nesses os presos serão beneficiados”, explicou o criminalista.
Tinoco alerta para as distorções geradas por legislações pensadas em casos específicos. “É sempre muito delicado quando o legislador decide modificar a lei, que vale para todas as pessoas, pensando em um caso específico ou em beneficiar uma pessoa específica, porque isso potencialmente gera distorções”, acrescentou.
Rodrigo Azevedo critica a contradição com o PL Antifacção, aprovado na Câmara e que endurece regras para membros de facções criminosas ou milícias. “Aprovar projetos contraditórios apenas fragiliza o Sistema Único de Segurança Pública (Susep), gera incerteza para juízes e operadores da execução penal e dificulta a formulação de políticas de segurança pública estáveis e eficazes”, concluiu o professor.
O PL da Dosimetria segue para análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na quarta-feira, 17 de dezembro de 2025. A relatoria cabe ao senador Esperidião Amin (PP-SC), que defende anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023.






