O recadastramento de armas de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), exigido por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), recebeu dados de 285,6 mil unidades até a última segunda-feira (6). O número representa menos da metade do total a ser alcançado pela medida, de acordo com estimativas do governo.
Para especialistas, o número é baixo tendo em vista o arsenal atualmente nas mãos da categoria e o prazo para o recadastramento -que se encerra em 3 de abril.
O governo do presidente Lula determinou que as armas de CACs, que ficam no banco de dados do Exército, sejam registradas no Sinarm (Sistema Nacional de Armas), da PF (Polícia Federal).
Há 1,2 milhão de armas de CACs registradas no Exército até 2022, segundo dados obtidos pelo Instituto Sou da Paz. Devem ser recadastradas todas as armas adquiridas a partir de maio de 2019, já no governo Bolsonaro.
A previsão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, é que haja cerca de 700 mil a 800 mil com CACs desde o período.
A reportagem pediu à PF dados de armas de uso permitido e de uso restrito recadastradas separadamente, mas o órgão não enviou as informações. Nesse último caso, além do cadastro feito pelo site da corporação, a pessoa precisa apresentá-la pessoalmente à PF.
Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, considera o número de recadastramento baixo. Ele diz, no entanto, que o ritmo acelerou após decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes considerando o decreto constitucional.
O magistrado suspendeu todos os processos de instâncias inferiores que discutem a legalidade do decreto de Lula, que impôs um controle maior sobre o acesso da população a armas de fogo.
"Na prática, o CAC legítimo, interessado no tiro esportivo, caça ou coleção, não tem motivo para arriscar perder um bem de R$ 5.000, R$ 10 mil e sujar o nome por um recadastramento que, para a maior parte das armas, é feito totalmente online e em questão de minutos", diz Langeani.
Karine Machado Miranda, proprietária da empresa Mira Despachantes de Armas, corrobora a visão dizendo que, após a decisão do STF, houve mais procura para o recadastramento. Para ela, as pessoas entenderam que não haveria alternativa a curto prazo senão cumprir a determinação legal.
Miranda e outros despachantes de armas passaram a divulgar mais o recadastramento, inclusive, após o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) falar em um evento organizado com o setor, em 9 de fevereiro, que não cadastraria sua arma -mas que cada um deve fazer o que acha mais conveniente.
"A minha arma eu não vou recadastrar, mas cada um é responsável pelo seu próprio acervo. Agora, se prepare para ter um advogado, porque isso não é um mar de tranquilidade", disse o deputado.
Para Ivan Marques, advogado e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) entende que deixar de recadastrar a arma é uma infração administrativa.
"Ainda que a lei diga que é crime, todos os julgados que chegaram ao STJ sobre pessoas que tinham armas (de boa fé) com registro vencido sofreram sanções administrativas e não as penalidades da lei", explicou.
Langeani, do Sou da Paz, acrescenta que levar os dados de armas do CACs para a PF já tem mostrado vantagem antes mesmo do fim do recadastramento. Isso porque, pela primeira vez, é possível ver relatórios divididos por estados e municípios. No Exército, a divisão é por região militar. "É algo que o sistema do Exército nunca foi capaz de fazer, com evidente prejuízo para a fiscalização e o rastreamento por parte da polícia", apontou.
A bancada federal do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, divulgou uma nota na terça (7) reafirmando o compromisso com o direito à legítima defesa, bandeira levantada pelos armamentistas. Segundo a sigla, a decisão do atual governo terá impacto negativo para empreendedores do país.
O governo do presidente Lula deu início à revogação de decretos e portarias para conter a política armamentista da gestão anterior, que aqueceu esse mercado. Donos de clubes de tiro e lojas de armas reclamam que o faturamento tem caído drasticamente com as novas normas.
Felipe Silva, sócio do clube de tiro e loja de armas Tucunaré Armas, de Brasília, diz que, durante o governo Bolsonaro, o faturamento passou de R$ 200 mil para R$ 1 milhão ao mês, conseguindo também ampliar a equipe de 4 para 55 funcionários.
No entanto, diz que, por causa da política atual, precisou dispensar 20 pessoas e pretende fazer novas demissões nas quatro lojas de armas e no clube de tiro.
Entre as medidas do novo decreto que impactaram esse mercado estão a suspensão de autorização do Exército para a aquisição de novas armas de uso restrito e também a proibição do tiro lúdico, fazendo com que menos pessoas frequentem os clubes de tiro.
"Atrapalhou o mercado de várias formas, porque hoje há um limite pequeno, por exemplo, de munições que podem ser adquiridas. Em um treino para competição, um atirador pode usar cerca de 500 munições", disse.
Como é o cadastramento
Armas de uso restrito e de uso permitido devem ser cadastradas no Sinarm (Sistema Nacional de Armas), da Polícia Federal. A medida vale para quem obteve arma a partir de maio de 2019
CACs
A medida atinge grupos que possuem armas cadastradas no Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), do Exército, como os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores)
Armas no Sinarm
A obrigatoriedade de cadastramento não se aplica às armas que já estão no Sinarm. Armas para defesa pessoal do cidadão comum, por exemplo, já ficam no banco de dados da PF
Prazo
O cadastramento das armas deverá ocorrer até 3 de abril
O que será preciso
O cadastro deverá conter ao menos a identificação da arma, a identificação do proprietário, com nome, CPF ou CNPJ, endereço de residência e do acervo
Armas de uso permitido
As armas de uso permitido serão cadastradas em sistema informatizado disponibilizado pela Polícia Federal
Armas de uso restrito
As armas de uso restrito serão cadastradas em sistema informatizado disponibilizado pela PF, devendo também ser apresentadas pelo proprietário mediante prévio agendamento junto às delegacias da Polícia Federal, acompanhada de comprovação do respectivo registro no Sigma, sistema do Exército
Punição
O proprietário que não cadastrar sua arma poderá ter a arma apreendida e poderá ser alvo de apuração pelo cometimento de ilícito
Entrega de armas
Durante o período do cadastramento, os proprietários que não mais desejarem manter a propriedade de armas poderão entregá-las em um dos postos de coleta da campanha do desarmamento, devendo o interessado consultar os locais de entrega e expedir a respectiva autorização de transporte do armamento por meio de acesso ao portal gov.br.