NOTICIÁRIO Segunda-feira, 24 de Novembro de 2025, 07:21 - A | A

Segunda-feira, 24 de Novembro de 2025, 07h:21 - A | A

BOLSONARO NA CADEIA

STF mantém detenção do ex-presidente após violação da tornozeleira eletrônica

Da Redação

A semana que divide o Brasil começou ordinária em Brasília, mas terminou com uma cena rara na história política recente do país: o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, sendo conduzido pela Polícia Federal até uma cela na superintendência de sua própria instituição de segurança. Era sábado, 22 de novembro, quando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretava a prisão preventiva do ex-mandatário, transformando em realidade o que até poucas horas era especulação nas redes sociais e nos corredores do Palácio da Alvorada.

O evento que levou à detenção, narrado em tom de novela política, traz em seu cerne elementos que desafiam a intepretação: Bolsonaro, monitorado pela tornozeleira eletrônica desde o ano passado, pegou em um ferro de solda e derreteu o dispositivo que compunha suas medidas cautelares. A versão do ex-presidente para o ato é tão extraordinária quanto o próprio ato. Medicamentos prescritos para ansiedade e dor—sertralina e pregabalina—teriam causado uma “confusão mental” ou “alucinação” que o levou a cometer o feito. A defesa do ex-presidente apresentou boletins médicos atestando quadro clínico estável, mas reconhecendo a possibilidade de efeitos colaterais dos medicamentos em questão.

A tornozeleira violada não era qualquer instrumento de segurança. Era a materialização visível de medidas cautelares que Moraes havia imposto a Bolsonaro meses antes, em março deste ano, quando o ex-presidente foi indiciado por tentativa de golpe de Estado. As condições incluíam: comparecimento em audiências, proibição de deixar o Brasil, e impossibilidade de contato com co-réus e possíveis vítimas. A derretida do dispositivo representava, aos olhos do magistrado, não apenas um desrespeito às ordens judiciais, mas um indício claro do risco de fuga que Moraes mencionaria em sua decisão.

A defesa de Bolsonaro foi rápida em mobilizar-se, argumentando que o ex-presidente padecia de condições de saúde que demandavam acompanhamento médico especializado e que a prisão domiciliar seria mais adequada. A médica Marina Grazziotin Pasolini, integrante da equipe que o acompanha, visitou o local de detenção para oferecer apoio médico. Os argumentos, contudo, foram insuficientes. Moraes rejeitou o pedido de prisão domiciliar, citando justamente a conduta de Bolsonaro com a tornozeleira como indicativo de que medidas menos rigorosas não surtiriam efeito.

O fim de semana trouxe drama acrescido. No domingo, 23 de novembro, Michelle Bolsonaro visitou o ex-presidente na superintendência da Polícia Federal. A cena de uma ex-primeira-dama transitando pelos corredores da corporação para ver seu marido preso não era comum na história recente brasileira. A imagem circulou em telejornais e redes sociais, marcando simbolicamente um divisor de águas na trajetória de Bolsonaro. De ex-presidente eleito democraticamente a detento aguardando julgamentos diversos, o trajeto foi acelerado pelas circunstâncias que ele próprio, em suas decisões, havia criado.

Na segunda-feira, 24 de novembro, ocorreu a audiência de custódia. O instituto, obrigatório pela legislação brasileira, permite que um juiz de primeira instância revise a legalidade da prisão em até 24 horas. Bolsonaro compareceu, manteve sua versão sobre os medicamentos, mas a audiência confirmou a necessidade da detenção preventiva. O passo seguinte foi ainda mais significativo: Moraes, agora votando em plenário virtual da Primeira Turma do STF, manteve sua decisão monocrática. O ministro foi claro em seu voto: Bolsonaro havia reiteradamente descumprido as medidas cautelares que lhe foram impostas, representando risco concreto de fuga e entrave à aplicação da lei.

O cenário das repercussões políticas dividiu-se em espectros previsíveis. Do lado governista e de oposicionistas, o discurso ecoava a necessidade de respeito ao Estado de Direito e à aplicação igualitária da lei. Ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que a prisão de Bolsonaro seguia “rigorosamente os ritos do devido processo legal”, reforçando a narrativa de uma ação judicial legítima e não perseguição política. A coalizão que sustenta o governo Lula viu na decisão uma oportunidade de reafirmar compromisso com instituições e normas, uma resposta às acusações de que o governo seria vindicativo contra rivais.

Diferentemente, a oposição mobilizou-se em torno de Bolsonaro, ainda que com fraturas visíveis. O deputado Sóstenes Cavalcante, líder da bancada do PL na Câmara, disparou que o ex-presidente não era “cachorro morto” e que havia “injustiça histórica” em curso. Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, em manifesto provocador, sugeriu que fuga de condenados pelo 8 de janeiro seria “justa”, acenando para apoiadores a ideia de que as normas estavam invertidas. Contudo, parte da direita tradicional, representada por analistas e colunistas, mudou de tom. Alguns escritores políticos argumentaram que Bolsonaro havia “derretido seu capital político, além da tornozeleira”, sugerindo que o ex-presidente havia perdido apoio mesmo entre setores que o sustentavam.

Os bastidores de Brasília fervilhavam com especulações sobre sucessão. Com Bolsonaro detido, figuras como Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, começaram a ganhar espaço em apostas de apoiadores sobre quem poderia herdar a liderança do bolsonarismo. Flávio Bolsonaro, filho e senador eleito, viu seu perfil diminuir nas conversas entre estrategistas da direita. A dinâmica que fazia de Bolsonaro o centro irradiador de poder havia se modificado, abrindo espaço para reposicionamentos e alianças até então secundárias.

A imprensa brasileira cobriu o evento com ênfase nas dimensões judiciais e políticas. Portais como UOL, Folha de S.Paulo, G1, Correio Brasiliense e Veja exploraram detalhes da decisão judicial, a cronologia dos eventos e as reações das múltiplas facções políticas. Programas de análise ampliaram debates sobre separação de poderes, independência do Judiciário e critérios para prisão preventiva. Especialistas em Direito foram convidados para deslindar a legalidade dos procedimentos e para avaliar se havia precedentes similares na jurisprudência brasileira.

A questão da saúde de Bolsonaro emergiu como fator importante na narrativa. Aos 73 anos, o ex-presidente traz consigo histórico médico que inclui problemas cardíacos anteriores e cirurgias múltiplas. A defesa argumentou que a detenção em ambiente prisional poderia agravar sua condição. Médicos ouvidos pela imprensa, contudo, refutaram qualquer impedimento médico absoluto para a prisão preventiva, ainda que reconhecessem desafios logísticos em manter acompanhamento especializado em ambientes carcerários. O impasse revelava as complexidades de julgar não apenas um crime, mas a saúde e a vida de um indivíduo que havia governado o país.

A tornozeleira derretida transformou-se em símbolo. Para críticos de Bolsonaro, representava a negação de ordens judiciais, a recusa em aceitar limites legais mesmo quando sujeito a processos. Para apoiadores, tornava-se prova de perseguição: por que alguém em pleno uso da razão cometeria um ato tão ostensivo se não estivesse manipulado por fatores externos? A imagem do dispositivo queimado circulou em redes sociais, servindo como metáfora da própria trajetória política do ex-presidente, consumida por suas próprias ações.

A semana que se encerrava deixava em aberto questões fundamentais. Qual seria o impacto da detenção nos julgamentos pendentes contra Bolsonaro? A prisão preventiva aproximava mais ou afastava o cumprimento da pena de 27 anos e três meses que havia recebido em setembro por tentativa de golpe de Estado? Como o eleitorado de direita processaria essa imagem de seu líder atrás das grades? Essas perguntas se desdobravam em conversas de botecos, grupos de WhatsApp, salas de estar e corredores de ministérios.

O Brasil, dividido e polarizado, via em um ex-presidente detido não apenas um homem enfrentando a justiça, mas um reflexo de suas próprias contradições. Um país que acreditava estar consolidado em democracia testemunhava a detenção de quem havia governado por quatro anos sob os mesmos marcos constitucionais. Um país que buscava respeitar a lei via simultânea em seu sistema de Justiça tanto garantidores de direitos quanto, para muitos, instrumento de vingança política. Sem resposta definitiva para essas tensões, o Brasil seguia seu caminho pela semana que marcava não apenas a prisão de um homem, mas um ponto de inflexão em narrativas coletivas ainda em formação.



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