OPINIÃO Quarta-feira, 09 de Dezembro de 2020, 10:50 - A | A

Quarta-feira, 09 de Dezembro de 2020, 10h:50 - A | A

ISABEL RODRIGUES

Carrefour precisa saber que promessas são compromissos

Isabel Rodrigues

Mestre em Comunicação e Cultura e professora de Relações Públicas da FAAP-SP

As imagens do crime absurdo e covarde cometido por seguranças da rede francesa de supermercados Carrefour contra um cidadão negro, no interior de suas dependências, na área do estacionamento de uma de suas lojas instaladas na cidade de Porto Alegre (RS), ganharam o mundo. Desde então, o que li, ouvi e assisti de "colegas" que se confessam especialistas em gestão de crise foi sobre como a empresa deve administrar a situação para mitigar os danos à sua imagem e reputação. Nada contra, é parte da atividade. Contudo, dessa vez, quero colocar meus conhecimentos em gestão de crise para "atuar" do outro lado da moeda, o lado do cidadão, do consumidor de ideias, daqueles que podem e precisam agir e influenciar outros para fazer a empresa mudar a sua cultura interna e, por consequência, a sua postura quando for obrigada a lidar, sobretudo em público, com situações adversas.

No caso em questão, ficamos novamente indignados com a atitude de alguns funcionários e fornecedores de serviços do Carrefour. Novamente, pois, como todos sabem e foi amplamente divulgado, ocorrências do tipo são reincidentes no "quintal" da rede francesa de supermercados. Até quando vamos ficar indignados, apenas?! Quebrar vidraças, pichar paredes e gritar palavras de ordem, a meu ver, também não produzem os resultados que se buscam: a punição verdadeira e rigorosa dos culpados pelos crimes cometidos (gravíssimos todos eles, vale ressaltar!) e mudanças imediatas de atitude e postura da empresa. Impunes, todos os envolvidos, por certo, seguirão somente recolocando vidraças, repintando paredes e tapando os ouvidos, ou seja, tudo poderá voltar como era antes. Pelo histórico, se nada de eficaz for feito, pode ser só uma questão de tempo até que tudo se "normalize". Precisamos estancar essa cascata, imediatamente.

Entendo que o alvo da pressão deve ser o topo da pirâmide organizacional, pois mudanças, mesmo nas empresas, somente acontecem quando existe vontade política, ou seja, o desejo sincero e efetivo daqueles que possuem voz e poder de comando. Lamentar o ocorrido, publicar comunicado nos veículos de grande circulação, desculpar-se, demitir o gerente da loja, romper o contrato com o fornecedor de serviço e repudiar a ação dos criminosos, que devem e precisam ser presos, é seguir o normal, aquilo que dita o "manual de primeiras respostas em situações de crise", uma ação imediata para aliviar a tensão e o desejo de vingança dos incomodados e afetados pela ocorrência. Urge, porém, que se desperte em cada um de nós o lado consumidor de ideias, aquele que "compra" propostas, posturas e ideologias. Uma boa resposta, por exemplo, seria o boicote, por um período determinado, das compras nas lojas de rede. O prejuízo financeiro e de imagem certamente tocaria de forma contundente o senso de responsabilidade dos executivos do topo da pirâmide do grupo, assim como o bolso de seus acionistas.

Precisamos usar mais vezes o nosso poder de cidadãos e exercitar com mais frequência a força de nossa cidadania. Punir exemplarmente os responsáveis é o mínimo que se espera; porém, queremos mais: que nada do que o histórico do Carrefour revela se repita, que estas ocorrências se transformem em páginas viradas para o grupo e que lições exemplares sejam tiradas para que não tenhamos que voltar a apontar-lhe o dedo, gritar para sermos ouvidos e ocupar as ruas para exigir das autoridades punição grave para todos os responsáveis.

Essa questão, pela gravidade e urgência que impõe, vale frisar, não se resume ao pagamento de multas, condenação dos criminosos, pedidos públicos de desculpas e muito menos em doações generosas de recursos para este ou aquele grupo. Importante lembrar que isso é apenas a reedição do que foi feito quando um de seus seguranças perseguiu, agrediu e matou um cão com o peso de uma barra de ferro. O que se espera, se deseja e se exige agora é que a rede francesa mude de fato a sua cultura interna, treine seus funcionários, fiscalize suas ações, contrate fornecedores de serviços que compartilhem de suas ideias e ideais e, principalmente, que trate todos os seus consumidores como iguais, sem qualquer tipo de distinção ou preconceito, principalmente quando estiverem no interior de suas dependências. E mais: promessas não podem ser palavras jogadas ao vento, devem ser cumpridas!



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