BLOG DO MAURO Quarta-feira, 24 de Setembro de 2025, 16:28 - A | A

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POLÍTICA INTERNACIONAL

O Nobel da farsa e o imperador do clima

Mauro Camargo

Há cenas que, de tão surreais, parecem roteirizadas por um comediante com um senso de humor particularmente sombrio. A recente aparição de Donald Trump na Assembleia-Geral da ONU foi uma dessas obras-primas do absurdo. No púlpito mais simbólico da diplomacia mundial, o então presidente dos Estados Unidos não apenas se autoproclamou merecedor do Prêmio Nobel da Paz por, em sua realidade paralela, "encerrar sete guerras em sete meses", como também decretou que a crise climática, esse consenso científico global corroborado por décadas de pesquisa, não passa de uma "farsa".

A plateia, composta por líderes e diplomatas acostumados às mais intrincadas negociações, esboçou uma mistura de espanto e constrangimento. Era o retrato perfeito do nosso tempo: a verdade objetiva sendo desafiada em voz alta, não por um teórico da conspiração nos porões da internet, mas pelo líder da nação mais poderosa do planeta, no palco mais importante do mundo.

O negacionismo climático de Trump nunca foi um segredo. Pelo contrário, foi uma plataforma de governo, um pilar de sua visão de mundo. Sua decisão de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, em 2017, foi o ato inaugural dessa cruzada contra a realidade. A justificativa, sempre a mesma: o pacto global prejudicava a economia americana, acorrentava sua gloriosa indústria a regulações "esquerdistas" e entregava uma vantagem competitiva a países como a China. O argumento ignora, convenientemente, que a transição para uma economia verde representa a maior oportunidade econômica do século XXI, um fato que a própria China, líder em investimentos em energia renovável, já entendeu.

Mas a questão transcende a simples ignorância ou a ganância imediatista. A postura de Trump em relação ao clima é sintomática de um projeto muito maior e mais perigoso: o desmonte sistemático da ordem multilateral construída no pós-guerra. Instituições como a ONU, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são vistas por essa corrente ideológica não como arenas para a cooperação e a resolução pacífica de conflitos, mas como grilhões que limitam a soberania absoluta dos "fortes".

Em seu mundo hobbesiano, a única lei que importa é a do mais forte. Para que serve a diplomacia quando se tem o maior arsenal militar? Para que servem os acordos comerciais multilaterais quando se pode impor tarifas unilaterais e forçar parceiros a aceitarem suas condições? Foi exatamente o que ele fez. A guerra comercial com a China desestabilizou cadeias produtivas globais, e a aplicação de tarifas sobre o aço e o alumínio, por exemplo, atingiu em cheio aliados, incluindo o Brasil, governado à época por um admirador confesso, o presidente Jair Bolsonaro.

Aqui, a ironia atinge seu ápice. Enquanto Bolsonaro e seus seguidores celebravam o "alinhamento automático" com Washington, a Casa Branca de Trump não hesitava em penalizar a indústria brasileira para proteger seus próprios interesses. A suposta amizade se revelava uma via de mão única, onde o Brasil oferecia sua lealdade e recebia, em troca, prejuízos comerciais e um tapinha condescendente nas costas. A pressão americana para que o Brasil adotasse posturas específicas em fóruns internacionais, muitas vezes contrárias aos seus próprios interesses estratégicos, foi uma constante demonstração de como a "soberania", tão bradada em discursos inflamados, era rapidamente relativizada quando o comando vinha do Norte.

Esse desprezo pela soberania alheia e pelas instituições é parte de um manual que a extrema direita global, seja nos EUA ou no Brasil, segue com uma fidelidade canina. O roteiro é conhecido e tristemente familiar. Primeiro, ataca-se a ciência. Se os fatos contrariam sua ideologia – seja sobre o clima, seja sobre a eficácia de vacinas –, pior para os fatos. Cria-se uma "verdade alternativa". Segundo, ataca-se a imprensa. Jornalistas que apontam as contradições e investigam os desmandos são rotulados como "inimigos do povo". Terceiro, descredibiliza-se o sistema. As eleições só são válidas se o "seu" lado vencer. Do contrário, são fraudadas. As instituições, como o Judiciário ou o Parlamento, são obstáculos a serem contornados ou intimidados.

A invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 nos EUA e os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 no Brasil não são eventos isolados. São o clímax trágico dessa mesma narrativa, alimentada por líderes que flertam com o autoritarismo e veem na democracia um inconveniente. A afirmação de Trump na ONU de que a crise climática é uma "farsa" não foi apenas uma declaração ambientalmente irresponsável. Foi uma peça de um quebra-cabeça muito maior: um ataque à razão, à cooperação global e aos próprios fundamentos da ordem democrática liberal.

Enfrentar essa ameaça exige argumentos definitivos e clareza. A crise climática não é uma opinião, é uma emergência física e química do planeta. A cooperação internacional não é uma fraqueza, é a única forma de lidar com desafios que não respeitam fronteiras, como pandemias, migrações e o próprio aquecimento global. A democracia, com todos os seus defeitos, ainda é infinitamente superior ao culto à personalidade de um líder autoritário.

Quando um líder se sente à vontade para inventar guerras que findou e pedir um Nobel por isso, enquanto nega a maior ameaça existencial à humanidade, não estamos mais no campo da política, mas da patologia. Uma patologia perigosa que, infelizmente, se mostrou altamente contagiosa. Cabe às sociedades e suas instituições sãs aplicarem o antídoto: a verdade, a ciência e a defesa intransigente da democracia.

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