NOTICIÁRIO Sábado, 29 de Novembro de 2025, 09:31 - A | A

Sábado, 29 de Novembro de 2025, 09h:31 - A | A

DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

Cientista político propõe debate sobre produtividade como chave para futuro do Brasil

Da Assessoria

Fernando Schuler, professor do Insper, doutor em Filosofia e especialista em Políticas Públicas, proferiu a palestra de abertura do IV Congresso Nacional e II Internacional da Magistratura do Trabalho, na noite de quinta-feira, 27 de novembro, no Bourbon Cataratas, em Foz do Iguaçu. Durante a apresentação, o cientista político fez duas provocações principais sobre os desafios contemporâneos, partindo de projeções econômicas clássicas e dados recentes sobre produtividade.

Schuler retomou a obra "Possibilidades Econômicas para os Nossos Netos", escrita pelo economista John Maynard Keynes em 1930. Na análise, Keynes projetou que em cem anos a renda multiplicaria por oito e as pessoas trabalhariam apenas 15 horas por semana. "Na parte econômica, ele acertou. De fato, a renda multiplicou por oito", afirmou Schuler. Porém, alertou que a projeção sobre redução da jornada de trabalho "errou feio".

O professor citou recente posicionamento do empresário Elon Musk, que sugeriu que "o trabalho daqui uns 10, 20 anos vai ser opcional". Segundo Musk, robôs humanoides realizarão tarefas laborais, permitindo que as pessoas se dediquem àquilo que consideram significativo. Schuler ressalvou que esse cenário é "um pouco delirante", especialmente considerando o prazo proposto.

Para Schuler, o trabalho não deve ser visto como maldição, mas como "exercício da realização humana". Ele destacou que pessoas buscam "aquilo que faz sentido pra vida humana", o que os gregos chamavam de Eudaimonia – "a nossa realização como pessoas humanas".

Contrariando expectativas comuns, Schuler apresentou dados sobre inteligência artificial mostrando que "as pessoas estão trabalhando mais, não menos com a inteligência artificial". Isso ocorre porque a concorrência também utiliza a tecnologia e exige maior produtividade. Além disso, "a inteligência artificial, contrário do que se imagina, está criando mais empregos e não destruindo empregos". O fenômeno, explicou, segue o padrão histórico da destruição criativa de Schumpeter, onde novas tecnologias eliminam profissões obsoletas, mas geram mais postos de trabalho no agregado.

Os números da produtividade

Schuler apresentou estudo de economistas americanos que comparam a evolução do poder de compra por hora trabalhada entre 1979 e 2019. Para trabalhadores com pouca formação, o crescimento foi de 244%. Para trabalhadores qualificados, o aumento superou 700% em apenas 40 anos.

"Nós caminhamos na direção de uma sociedade da abundância", afirmou o especialista, ressalvando que esse crescimento ocorreu apesar do aumento exponencial da população global. Segundo Schuler, "pessoas são o principal ativo do crescimento, a inteligência humana, a criatividade humana, a capacidade inventiva humana".

O desafio brasileiro

Schuler identificou um problema estrutural brasileiro: "Nós como sociedade, nós como economia, nós como país, estagnamos em termos de produtividade". O professor surpreendeu-se com o fato de que o tema seja pouco discutido entre operadores do direito e no debate político nacional, apesar de sua importância. "Produtividade no longo prazo não é tudo, mas é quase tudo", declarou, citando o economista Paul Krugman.

O Brasil enfrentará desafio demográfico significativo. Em 2040, a população estagnará e o país enfrentará declínio e envelhecimento. "Isso é um enorme desafio que impõe ganhos de produtividade", alertou. "Ou nós vamos aumentar a produtividade da economia, ou nós vamos ter um grave problema como sociedade, maior do que nós já temos hoje."

Para o cientista político, a solução passa pela "economia de mercado, abertura, globalização, competição" associadas a "tecnologia aplicada, conhecimento, eficiência". Ele destacou que ninguém investe em tecnologia, em qualificação, simplesmente a partir de uma espécie de “racionalidade altruísta”, mas sim pela competição que impulsiona inovação. Como exemplo citou que oito dos 10 primeiros bilionários da lista Forbes atuam na indústria de tecnologia.

A competição global com a China

Schuler alertou para a realidade da competição com a economia chinesa, afirmando que ela não será barrada com tarifas. “Ou nós vamos ganhar dos chineses no longo prazo ou no médio prazo com produtividade, ou não tem jeito". O professor ressaltou que tarifas podem ter efeito de curto prazo, mas o fator decisivo será a capacidade de inovação e eficiência.

Como exemplo de sucesso, Schuler destacou o agronegócio brasileiro, que subcresceu pouco acima de cinco pontos por ano nos últimos 30 anos, em termos de ganho de produtividade. "Por que o agronegócio brasileiro teve esse ganho de produtividade?" 

A resposta, segundo o especialista, está na carga tributária relativamente baixa, aporte de tecnologia  da Embrapa e, principalmente, competição internacional.

"Se expôs à competição internacional, ganhou a competição internacional. Quando os franceses dizem que não querem fazer o acordo com a União Europeia e o Mercosul, é porque o agronegócio brasileiro é muito competitivo", exemplificou. 

Porém, o especialista fez um alerta. O setor tem baixa intensidade em termos de contratação de mão de obra e representa apenas cerca de um terço do produto nacional.

O abismo com o Uruguai

O palestrante ainda apresentou comparação preocupante entre Brasil e Uruguai. A renda média brasileira é pouco acima de 10 mil dólares, "um pouco menos de metade do Uruguai, como país". 

Para ilustrar a gravidade, o professor fez projeções. "Se a gente crescer na média que a China cresceu nos últimos 10 anos, vamos levar 11 anos para chegar na renda média do Uruguai. Se a gente crescer no ritmo que os Estados Unidos cresceram nos últimos 10 anos, vamos levar 24. E se a gente crescer no ritmo que o Brasil cresceu nos últimos 10 anos, vamos levar 33 anos."

Schuler reforçou que o Uruguai não ficará parado esperando um bom desempenho do Brasil. A constatação serviu de alerta sobre a urgência de reformas estruturais.

Ressaltou que o fator que define aproximadamente 70% dos casos de saída da pobreza é exatamente o crescimento econômico. Citando estudo recente do economista Pedro Fernando Neri, o professor alertou para o cenário brasileiro caso nenhuma reforma importante seja implementada.

Na projeção de Neri, se o Brasil não fizer reformas estruturais para acelerar a produtividade e nem promover a reforma do Estado, em 2050 — daqui a 25 anos — o país terá uma carga tributária de 42,8%. "É sustentável isso para um país?”

O envelhecimento como urgência

O professor apresentou dados demográficos alarmantes. A projeção é que em 2050, 30% da população brasileira tenha mais de 75 anos. “Em um país o problema é como o de uma família, ou como o de um trabalhador. É como ele envelhece sem enriquecer".

"Os japoneses fizeram isso, eles envelheceram, a produtividade caiu, mas enriqueceram antes. Os italianos mesmo, estão envelhecendo rapidamente, mas estão bebendo bons vinhos. Temos tudo a fazer. Nós somos um país não só pobre, como temos uma enorme carga de pobreza, com 94 milhões de pessoas hoje dependendo de programas de transferência de renda".

Schuler identificou que o Brasil passou pelo auge do bônus demográfico em 2017. Agora, com a população envelhecendo, isso deve dar à sociedade um sentido de urgência.

A reforma do Estado como estratégia

O cientista político afirma que a reforma do estado continua sendo o desafio central brasileiro. O professor apresentou exemplos de sucesso baseados no que chamou de "movimento adamsmithiano", ou seja, "especialização" e "competição de mercado".

O primeiro exemplo foi o Parque Nacional do Iguaçu. "Em 1998 para 99, quando o ministro Bresser Pereira converteu o parque numa concessão, a dinâmica mudou. Hoje você tem um parque regulado pelo Estado, que dá dinheiro para o ICMBio, que é autarquia federal, maravilhosamente bem administrado, preserva a natureza, o patrimônio da humanidade". Schuler destacou que o Estado se colocou como regulador, contratador, e o setor privado, num ambiente concorrencial, faz a gestão".

Identificou dois vetores que impulsionam produtividade: competição de mercado e especialização. Explicou que a competição gera o incentivo para o investimento, para o crescimento. O modelo que considera exemplar é o marco do saneamento básico.

"O Brasil desenvolveu maravilhosamente bem esse modelo. A Lei das Concessões foi feita por um governo do PSDB, a Lei das PPPs foi feita pelo governo do PT", indicando consenso político em reformas estruturais.

"Nós vamos ter, se tudo der certo os próximos dois anos, 50% da provisão de saneamento no Brasil feita pelo setor privado". Como exemplo, mencionou a privatização da Sabesp em São Paulo. "As metas que eram pra 2033 devem ser atingidas em 2030. Não por mágica, não por altruísmo, não porque alguém é bom, porque alguém é generoso, não. Simplesmente por competição e especialização".

A especialização do Estado

Para Schuler, não se trata de mais ou menos Estado, mas de mudança de função. "O Estado se especializa como vocês são especializados na Justiça do Trabalho, como uma instituição de Estado e cumprindo funções de Estado altamente especializadas". 

As funções do Estado seriam macroplanejamento, a fixação de metas pra sociedade, a visão de longo prazo, a inteligência de pensar o exercício, o procedimento da democracia, da formação de política pública, a elaboração de contratos, o modelo de financiamento, a regulação da vida econômica. "Se o Estado não fizer, ninguém vai fazer".

Encerrou ressaltando a urgência. "Não que o Estado renuncie à proteção do trabalho, daquilo que ele deve fazer, do controle, da boa regulação. Ele deve se especializar exatamente nisso, como vocês fazem na área do trabalho. Mas, digamos, nós precisamos dar a toda essa discussão um sentido de urgência".

O objetivo final, segundo o especialista, é "entregar para as novas gerações um país melhor do que a gente recebeu".



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