O dia me amanheceu diferente. Os pensamentos pareciam mais claros, fluindo numa estranha e repentina lucidez. Uma sensação quente e segura abraçou meu coração. E foi assim que aconteceu.
Foi no momento que entendi que não se deve chorar para sempre, ainda que seja por amor. Que recolhi cuidadosamente e novamente meus pedaços, lancei mão de todos os meus talentos para criar a partir deles algo novo, melhor, mais resistente.
Olhei para mim como quem contempla a terra nua e decide plantar um jardim, semeando pacientemente, zelando e aguardando pelas flores, confiante o suficiente para repetir todo o trabalho quantas vezes for necessário caso as sementes não vinguem.
Soube que algo muito poderoso estava crescendo ali dentro, nas minhas entranhas, esperando pelo momento certo de nascer.
Talvez já estivesse ali antes mesmo de mim, tivesse atravessado gerações, guardado por minhas antepassadas até o tempo ideal. O tempo da consciência.
E nasceu. Quando eu mais esperava, entre lágrimas e sorrisos, entre a extrema dor e a felicidade plena. Forte como só aquilo que é muito desejado pode ser.
Foi assim, numa manhã silenciosa, depois de décadas de gestação, que dei à luz a mim mesma, em honra de todas aquelas que vieram antes.
Foi quando nasceu a mulher que me tornei e que tanto quero ser.