CONTEMPORANEIDADES Sexta-feira, 16 de Outubro de 2020, 09:54 - A | A

Sexta-feira, 16 de Outubro de 2020, 09h:54 - A | A

SILENE FERREIRA

As bruxas não estão à solta

Silene Ferreira

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Publicitária, taróloga, estudiosa de Mitologia, Oráculos e do Sagrado Feminino. Geminiana e gateira. Uma mente inquieta, que só sossega escrevendo. No Instagram: @Mythologika

Mais um outubro, mais um Halloween, mais uma comemoração. 

Sobre esse assunto, tenho orgulho em dizer que minha fé não é, nunca foi, segredo a ninguém que me conheça, seja real ou virtualmente. Há mais de duas décadas saí do armário da vassoura e assumi o caminho que algumas de minhas antepassadas trilharam, que grita forte dentro de mim, tão antigo quanto a própria humanidade: o Paganismo.

E por favor, não confunda, não sou ateia, com todo meu respeito aos ateus. 

Aliás, não creio em um deus único, mas em vários, em todos eles, que se entrelaçam aos diferentes tempos e culturas, assumem diferentes formas e respondem por diferentes nomes, porém iguais e legítimos em sua essência. 

Acredito que todo ser vivente carrega em si a centelha do que é divino.

Também não sou “filha do demônio”, como já me chamaram. Aliás, se é que existem demônios, eles vivem dentro de nós, prontos a nos testar e atormentar, sob a forma de tudo que há de pior e mais nefasto. 

Tenho profundo respeito a toda manifestação de religiosidade verdadeira. E amigos de praticamente todos os credos e não-credos. Pratico algo maior e melhor do que a simples tolerância: a coexistência, a crença em um mundo harmonioso e diverso, onde cada um possa ver a humanidade refletida pelos olhos do outro, independente daquilo em que crê, sem preconceitos, tentativas de imposição de uma visão ou outra.

Não me julgue. Não precisa concordar comigo, apenas me respeite, sou tão gente quanto você: também trabalho, pago contas, educo meu filho, cuido da casa, vou ao supermercado, vejo TV, fico doente, tenho dúvidas e indagações, passo raiva, me revolto, me alegro, amo, odeio…

Ou, para facilitar a compreensão: muito prazer, sou uma bruxa. Espiritualizada, longe de perfeita. 365 dias ao ano, 24 horas por dia, fundamentada por muito estudo e vivências.

E por isso me é irresistível a vontade de contra argumentar quando ouço expressões do tipo “Fulana é má feito uma bruxa”, “A bruxa está à solta por aí”, “Feia como uma bruxa” e outras do gênero, invariavelmente em tom depreciativo.

É como dizer que todo indivíduo é igual, todos os dias são chatos e tediosos, todo amor é para sempre. Não é, não são.

Se as bruxas estivessem realmente à solta, não haveria tanta desigualdade por aí. O mundo seria bem mais empático, mais justo e equânime.

Um mundo menos faminto de grãos e mais de História, de Cultura, de tradições, de conhecimento, de sabedoria. Um mundo sem extremismos, preparado para acolher e celebrar todas as diferenças. 

Por isso, todo trabalho seria abençoado, todo genuíno ofício seria reconhecido como tal, igualmente importante para a coletividade, sem distinção.

Todos saberiam um pouco mais sobre os ciclos da Natureza. O planeta não sofreria tanto com catástrofes, fenômenos climáticos, desmatamento, poluição, pandemias. Animais, reconhecidos em sua perfeição, não seriam exibidos em espetáculos ou tratados de forma cruel, seja no cativeiro ou abandonados, nas ruas.

As crianças seriam mais crianças, mais livres, criativas, lúdicas, fantasiosas, estimuladas em seus potenciais, sem a menor pressa de crescer, aproveitando o tempo de aprender com a família, de conviver com os pais, avós, tios, primos, irmãos... adquirindo valores de fato, fortalecendo seu caráter, preparando-se para serem adultos na hora certa.

Os homens, mais honrados, leais, com todo direito de serem sensíveis, vulneráveis. Conscientes de seu real papel no mundo, sem a pressão da masculinidade tóxica, a necessidade de subjugar para reivindicarem o tal do “poder”, desconstruindo séculos de um machismo estéril.

As mulheres, veneradas em seu poder criativo e criador, respeitadas pelos homens e, principalmente, por elas mesmas. Completamente cientes de sua força, sem perder tempo com fúteis mecanismos de autoafirmação, alimentando pequenas rivalidades, armadilhas criadas e mantidas por uma sociedade adoecida.

Um mundo mais solidário, onde não existiriam asilos, orfanatos, sanatórios. Onde seriam bem poucos os mandos, governos, partidos, instituições, leis. Também as grades, as prisões, reais e metafóricas.

Ser eticamente feliz seria a prioridade, acima de status, saldo bancário, padrões estéticos, imagem midiática. A beleza seria toda aquela que vem de dentro e ecoa, se espalha, contagia, ilumina. Autêntica, sem retoques ou filtros. 

A vida seria celebração. Um ritual de equilíbrio. Um retorno à inocência, o reencontro com a divindade em estado natural, na qual cada um de nós é um pequeno templo. Na qual cada um de nossos gestos é prática da fé, oração, oferenda e, portanto, sagrada.

A consciência de que fazemos parte de um único universo, de que nossas ações reverberam no outro. O humano seria mais humano.

Não, as bruxas não estão à solta. Infelizmente.



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