A aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o exercício de 2026 na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, ocorrida nesta segunda-feira (22), foi marcada por um diagnóstico contundente que rompeu a calmaria da base governista. O deputado Wilson Santos (PSD), embora integrante do arco de alianças do governo, assumiu um tom de "fiscal da realidade" ao dissecar as contas de 2024. Para o parlamentar, a imagem de "locomotiva econômica" ostentada pela gestão estadual esconde uma vulnerabilidade estrutural perigosa: a dependência absoluta “de um agronegócio volátil e um planejamento que beira a ficção”.
O parlamentar destacou que, embora o Estado apresente números superlativos — como a arrecadação recorde de R$ 39,12 bilhões e uma liquidez de caixa de R$ 11,24 bilhões (nota A na CAPAG) —, a economia real deu sinais de exaustão em 2024. Com uma retração de 12,5% na agropecuária, o PIB mato-grossense recuou 3,4%, enquanto o restante do país avançava. "O Estado é hoje um gigante financeiro com pés de barro no seu planejamento estratégico", disparou Santos, alertando que Mato Grosso está consumindo seu patrimônio líquido e superávits anteriores para cobrir déficits correntes.
Sob o prisma estritamente jurídico e constitucional, a manobra de ajuste das metas fiscais mencionada pelo deputado levanta questionamentos severos sobre a observância do Princípio da Legalidade e da Anterioridade Orçamentária. Ao alterar a LDO em 20 de dezembro para "ajustar o alvo" de um exercício praticamente encerrado, o Executivo flerta com a fragilização do controle externo exercido pelo Tribunal de Contas e pelo Legislativo. Essa prática de transformar o planejamento em um "alvo móvel" compromete a segurança jurídica e a transparência, pilares fundamentais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que exige previsibilidade e rigor na gestão de resultados primários e nominais.
Além disso, a análise de Wilson Santos aponta para uma possível desconformidade com a vinculação de receitas para finalidades sociais específicas. O descumprimento do investimento mínimo de 20% em habitação, conforme determina a lei estadual que criou o Fundo de Transporte e Habitação (Fethab), configura , na opinião do parlamentar, uma omissão administrativa que pode ser objeto de medidas sancionatórias. A primazia da logística em detrimento do saneamento básico — que recebeu apenas R$ 10,4 milhões contra bilhões em rodovias — expõe um descompasso entre a discricionariedade do gestor e os direitos sociais constitucionalmente garantidos à população carente.
A crítica estendeu-se à política de renúncia fiscal, que hoje consome 31% da receita bruta do Estado (R$ 10,65 bilhões), superando os investimentos somados em saúde e educação. O parlamentar denunciou uma concentração excessiva: metade desse valor beneficia apenas 30 grandes empresas em municípios já abastados, sem o devido monitoramento de contrapartida social. "É como um fazendeiro que apresenta lucros recordes, mas está vendendo partes da terra para pagar as contas mensais, enquanto ignora as cercas quebradas e dá isenções aos vizinhos mais ricos", comparou Wilson Santos, sintetizando o paradoxo de um Estado rico em caixa, mas administrativamente ineficiente e socialmente desigual.
Leia a integra do discurso do deputado Wilson Santos (PSD) – Sessão de 18/12
Presidente, colegas deputados, na semana passada, pedi vista das contas do Governo de Mato Grosso referentes ao exercício de 2024. Quero apresentar aqui as razões por que pedi vista e o meu entendimento sobre o tema. Disse ao secretário Gallo, na semana passada — e sei que ele não gostou —, que as contas do governo provam o que afirmei e que ratifico agora. Sou da base, apoio o governo e tenho votado majoritariamente com a gestão, mas mantenho aqui algumas divergências pontuais.
O governo afirma ser uma locomotiva econômica com solidez de caixa. Ao estudar os números, verifiquei que, nas contas de 2024, o Estado atingiu uma arrecadação recorde de R$ 39,12 bilhões. O governo possui, de fato, liquidez, encerrando o ano com R$ 11,24 bilhões em caixa e mantendo a nota A na capacidade de pagamento (CAPAG). No entanto, a economia está vulnerável: a volatilidade do agronegócio causou uma retração de 12,5% no setor em 2024, puxando o PIB mato-grossense para uma queda de 3,4%. O saldo de caixa, embora robusto, sofreu um decréscimo líquido de 1,64% em relação a 2023. Isso acende um alerta.
Há solidez financeira, mas o Estado está consumindo seu patrimônio líquido para manter o nível de despesas. Este foi o ponto do debate com o secretário Gallo sobre a eficiência do planejamento orçamentário. Ele argumenta que as metas fiscais de resultados primário e nominal foram cumpridas, ficando abaixo dos tetos de déficit da LDO. Faço aqui um contraponto: o planejamento foi classificado como altamente deficiente em 38 ações estratégicas. As metas só foram cumpridas devido a uma alteração tardia na LDO em 20/12/2024, ajustando o alvo quando o exercício já havia praticamente acabado. Além disso, houve subestimação de receitas para permitir suplementações maciças, que totalizaram R$ 7,92 bilhões. O planejamento, secretários Gallo e Basílio, tornou-se uma peça meramente formal.
A gestão opera sob improviso orçamentário e vive de suplementações. Sobre a efetividade dos investimentos em obras públicas, o Estado sustenta um empenho de R$ 5,7 bilhões, mas há um gargalo na liquidação: apenas 73,2% do valor empenhado foi efetivamente pago em 2024. O Estado mantém um passivo de 59 obras paralisadas, totalizando quase R$ 1 bilhão, com destaque para o atraso crítico no BRT. Essa incapacidade de entrega gera desperdício e perda de competitividade.
Quanto à renúncia fiscal, apresentada como motor do desenvolvimento, temos R$ 10,65 bilhões em incentivos. Essa renúncia é elevadíssima, representando 31% da receita bruta e superando a soma dos gastos com saúde e educação. Há uma concentração excessiva: 50% dos benefícios são destinados a apenas 30 grandes empresas localizadas em municípios ricos, sem monitoramento claro de contrapartida social. Defendo a política de incentivos, mas ela precisa de correção e transparência no retorno social.
Além disso, enfrentamos a falta de investimento na expansão das linhas trifásicas de energia. A Energisa não cumpriu o contrato 003/97 com a ANEEL; o avanço foi ridículo. O processo de industrialização está comprometido pela inércia da Energisa e pela falta de ação firme do Governo do Estado, por meio da Ager, e da própria ANEEL, que fazem vista grossa à situação. O orçamento é, como sempre digo, uma peça de ficção. Vejo os líderes Dilmar, Max e Beto num esforço desesperado para aprovar o orçamento hoje, mas para quê?
O planejamento inicial da LOA 2024 era de R$ 35 bilhões, mas sofreu um acréscimo de R$ 7,92 bilhões (23%) via créditos suplementares. Criou-se uma cultura de suplementação que ignora o realismo e a transparência. Mato Grosso, pilar da economia nacional com superávit comercial de R$ 24,9 bilhões, registrou retração de 3,4% no PIB em 2024 enquanto o Brasil cresceu. Isso prova que somos reféns da volatilidade das commodities. Precisamos diversificar a economia com urgência.
Poderia falar ainda sobre a precarização do trabalho com servidores temporários e o abismo na infraestrutura social. Gastam-se bilhões em rodovias, mas o investimento em saneamento básico foi de apenas R$ 10,4 milhões. Em habitação, o Estado descumpre a lei do FETHAB, que determina o investimento mínimo de 20% no setor. O foco da gestão ignora a dignidade humana da população carente.
Concluo, presidente: as provas técnicas ratificam o parecer do Tribunal de Contas do Estado pela aprovação das contas com ressalvas e determinações severas. Mato Grosso tem saúde financeira de curto prazo, o que impede a rejeição, mas a gestão é condenada pela baixa qualidade do planejamento e ineficiência na infraestrutura. A maquiagem das metas ao apagar das luzes e a substituição de efetivos por temporários colocam em risco a sustentabilidade futura.
O Estado é hoje um gigante financeiro com pés de barro. Consome patrimônio líquido para cobrir déficits correntes (primário de R$ 1,7 bilhão e nominal de R$ 1,35 bilhão). É como o julgamento de recuperação judicial de um grande fazendeiro: ele apresenta lucros recordes, mas o juiz observa que ele está vendendo terras para pagar as contas mensais, ignorando cercas quebradas e dando isenções aos vizinhos ricos. O juiz aprova as contas pelo lucro atual, mas impõe reformas urgentes para evitar a falência na próxima geração. Devolvo o projeto com uma análise rigorosa: o Estado é rico, mas está queimando gordura rapidamente por incompetência no planejamento.






