Há um momento em que somos tocadas pelo desejo da maternidade. Às vezes esse sentimento, vontade, ou seja lá qual o nome que se dê para isso, é atravessado por uma avalanche de perguntas: quero ter um filho, mas como vou cuidar dele e dar aulas ao mesmo tempo? Quando a licença acabar, o bebê vai para a creche ou contrato uma babá? O que sai mais barato e mais caro (financeira e emocionalmente falando)? Poderei amamentar?
O agosto dourado traz à tona um olhar sobre o delicado processo de amamentação, inerente à maternidade, e promove a reflexão sobre como associar tudo isso à profissão. Muitas vezes esses dois caminhos não conseguem se entrelaçar de maneira a trazer satisfação e tranquilidade para mães e filhos. Por vezes, escolhas são necessárias e decisivas. Como bem sabemos, cada escolha implica obrigatoriamente uma perda e um ganho. Perde-se o caminho que se deixou de trilhar ou ganha-se a estrada por onde se escolheu caminhar, ainda que influenciado por uma série de outros fatores. Mas, por sorte, sabemos também que sempre podemos fazer novas escolhas.
As palavras deste texto têm mais de narrativa do que de opinião, embora a maioria das narrativas em si “escondam” também opiniões. Mas convido você a passear agora por algumas escolhas movidas pela vontade de ser mãe e amamentar, e a necessidade de permanecer professora.
Antes de engravidar, mantinha pelo menos 4 empregos, dava muitas aulas por dia e corrigia inúmeras redações semanalmente. Vivia um ritmo frenético e exaustivo de umas 16 horas de trabalho diário. Sabia, com certa clareza, que nessa rotina não caberia uma criança, a menos que eu concordasse em deixar que outra pessoa cuidasse dela no meu lugar. Isso não era uma opção.
Pedi demissão! Isso mesmo, me demiti das escolas conceituadas nas quais trabalhava, ainda na incerteza do que faria exatamente. Foi quando meu pai sugeriu: abra um curso de redação para você. Foi o que fiz. Montei um pequenino curso, apenas 8 alunos, uma sala também pequena num espaço emprestado (onde havia um quintal e algumas galinhas). Foi o início de uma jornada. Ali abri o teste de gravidez, ali troquei muitas fraldas, ali amamentei meu filho (hoje com quase 6 anos) e corrigi redações ao mesmo tempo.
Foi reconfortante. Não tive licença à maternidade remunerada, nem sequer saí de licença, não tive auxílio do governo, os rendimentos do curso eram suficientes. No coração uma certeza: estava fazendo a coisa certa! Não precisei me separar da criança aos 4 meses, amamentei sempre que era necessário. Os alunos aguardavam com ternura aquele momento, às vezes discutíamos temas durante a amamentação, às vezes meu filho adormecia ali mesmo e eu, com cuidado, corrigia os textos.
O pequeno foi crescendo, deitava na mesa e aprendeu a usar as mãozinhas para segurar a folha de papel com as redações dos alunos. Muitos brincavam com ele para que eu pudesse corrigir a redação dos outros e assim seguimos nosso curso, entre mamadas e correções.
Aquela tinha sido a minha escolha. Lembro-me do olhar de reprovação de companheiros de trabalho os quais admiro muito. Falavam: “você vai abandonar sua profissão para ser mãe?” Eu respondia: “não deixei de ser professora”, mas sim, “abandonei” aquela forma de lecionar (caótica e desmedida) para me dedicar à maternidade, para poder amamentar meus filhos.
O Laboratório de Redação Ariadne Camargo seguiu seu curso. Continuei dando aulas, mudei de espaço, dei cores novas e uma cafeteira à nossa sala que, por opção, continua acolhendo apenas 8 alunos por vez. Gosto de ver os estudantes de perto, saber de suas angústias e ajudá-los a encontrar as palavras dentro de si mesmos.
No novo cenário, mais estabelecido e solidificado, nasceu a minha filha (agora com 2 anos e meio). Ela também foi muito bem recebida por alunos carinhosos que me olhavam com carinho e ternura cada vez que eu parava uma correção no meio para atender ao chorinho da fome. Amamentei a pequena muitas vezes em aula na mesma dinâmica de aconchego porque consegui criar um espaço de trabalho sem excluir meus filhos num momento tão único da vida deles e da minha.
Lembro-me do pai de uma aluna que, ao fazer a matrícula e me ver com barrigão, perguntou, e quando o bebê nascer? Abri um sorriso, meu filho mais velho correu pela sala e eu respondi: meus filhos são prioridade, eles fazem parte, sigo dando aulas com eles. O pai retribuiu o sorriso, matriculou a filha que só deixou o laboratório quando entrou para a faculdade.
Claro que deixei para trás uma “carreira brilhante?” enquanto professora de escolas grandes e cursinhos lotados com direito a foto em outdoor, mas... quando vejo que, apesar de não ganhar fortunas, nem usar sapatos caros, tenho a tranquilidade de dizer que pari meus filhos, carreguei-os nos braços, amamentei-os tanto quanto necessário e cuido deles até hoje, sem abrir mão da minha profissão.
Sei também que todos os alunos que passaram por mim, que me acompanharam nessa caminhada, fizeram e ainda fazem parte dessa história, foram marcados de alguma forma por essas vivências. Apesar das interrupções, das intercorrências, dos percalços, o aprendizado com certeza, para mim e para eles, ultrapassou muito as meras e superficiais regras do texto dissertativo e alcançou a profundidade das relações humanas, inteiras, verdadeiras, num tipo de laboratório da vida como ela é.