#PAPO COM ELA Segunda-feira, 13 de Outubro de 2025, 15:37 - A | A

Segunda-feira, 13 de Outubro de 2025, 15h:37 - A | A

CORPO QUE FALA

A sexualidade como caminho de força feminina e autoconhecimento

Michely Figueiredo

Falar sobre sexualidade ainda é, para muitas mulheres, um ato de coragem. O assunto costuma ser cercado de silêncios, crenças, moralismos e culpas que atravessam gerações. Mas, como lembra a psicóloga Anita Faria, compreender a própria sexualidade é uma das chaves mais poderosas para o desenvolvimento integral da mulher — emocional, físico e psicológico. “Quando a mulher não conhece seu corpo, não entende seus desejos e não se permite o prazer, ela se desconecta de si. E uma mulher desconectada de si perde potência em todas as dimensões da vida”, explica.

Para Anita, o autoconhecimento sexual não se limita ao ato em si, mas está ligado à autoestima, à capacidade de se posicionar em um relacionamento, de reconhecer limites e dizer não quando necessário. É um processo de descoberta, respeito e autonomia. “A sexualidade saudável envolve prazer, mas também envolve amor-próprio. Quando a mulher entende o que gosta, o que não quer e o que a faz bem, ela passa a ocupar o próprio corpo de forma consciente — e isso se reflete em sua postura, na forma de se relacionar, no modo de viver”, afirma a psicóloga.

Ainda assim, o tabu persiste. Muitos dos silêncios que envolvem a sexualidade feminina foram construídos historicamente para controlar comportamentos e emoções. Desde cedo, meninas são ensinadas a não tocar, não falar, não desejar. Em contrapartida, meninos são incentivados a explorar e a se afirmar pela virilidade. Esse desequilíbrio gera consequências que ultrapassam o campo íntimo: impactam a saúde mental, a qualidade dos relacionamentos e até a percepção de valor pessoal.

A repressão da sexualidade feminina também está ligada à vulnerabilidade emocional e à violência de gênero. Em Mato Grosso, onde Anita atua, os números são alarmantes. O estado lidera as taxas de feminicídio no país — cerca de 2,5 casos por 100 mil habitantes, segundo levantamento recente do Ministério Público estadual. Mais de 70% das mulheres assassinadas em 2025 morreram dentro de casa, em situações marcadas por controle, ciúme e violências sucessivas. Para a psicóloga, esses dados revelam o quanto a ausência de autoconhecimento e de autonomia sobre o próprio corpo ainda aprisiona as mulheres em relações abusivas. “Quando ela não se sente dona de si, não reconhece que tem direito ao prazer, ao respeito e à liberdade, é mais difícil perceber que está vivendo uma violência”, diz.

Anita lembra que desenvolver uma relação positiva com o próprio corpo é um processo que envolve sensibilidade, curiosidade e cuidado. Olhar-se no espelho, permitir-se o toque, descobrir o que dá prazer e o que causa desconforto — tudo isso é parte de uma reconciliação com a própria história. “A mulher que se conhece tende a estabelecer vínculos mais saudáveis, porque já não aceita qualquer relação apenas para ser aceita. Ela entende que a sexualidade é dela, não do outro”, reforça.

Essa reconciliação, no entanto, exige desconstrução. Exige entender que prazer não é pecado, que o corpo não é inimigo e que o desejo não é vergonha. A sexualidade feminina é fluida, muda com o tempo, com as fases da vida, com as experiências. Há mulheres que redescobrem o prazer depois dos 40, 50 ou 60 anos. E isso não é exceção — é liberdade.

“Uma sexualidade madura traz segurança. A mulher passa a escolher com quem quer estar, não por carência, mas por afinidade. Passa a se cuidar por prazer, não por cobrança estética. E isso tem impacto direto na saúde mental, na autoestima, na forma como ela ocupa o mundo”, observa Anita.

Mais do que um tema íntimo, a sexualidade é uma questão de cidadania. Falar sobre ela é romper com padrões de silenciamento que mantêm as mulheres vulneráveis e culpadas. É abrir espaço para que elas se enxerguem inteiras — corpo, mente e emoção. É também um passo importante na luta contra a violência, porque mulheres que conhecem o próprio corpo tendem a reconhecer quando estão sendo violentadas e têm mais recursos para buscar ajuda.

O autoconhecimento sexual, portanto, é um ato político. É uma forma de resgatar o poder de decidir, de sentir, de ser. Como resume Anita Faria, “quando a mulher descobre que pode viver o prazer sem culpa, ela se torna dona da própria história”.

Confira a entrevista na íntegra





Comente esta notícia

Nossa República é editado pela Newspaper Reporter Comunicação Eireli Ltda, com sede fiscal
na Av. F, 344, Sala 301, Jardim Aclimação, Cuiabá. Distribuição de Conteúdo: Cuiabá, Chapada dos Guimarães, Campo Verde, Nova Brasilândia e Primavera do Leste, CEP 78050-242

Redação: Avenida Rio da Casca, 525, Bom Clima, Chapada dos Guimarães (MT) Comercial: Av. Historiador Rubens de Mendonça, nº 2000, 12º andar, sala 1206, Centro Empresarial Cuiabá

[email protected]/[email protected]

icon-facebook-red.png icon-youtube-red.png icon-instagram-red.png icon-twitter-white.png