O Brasil está envelhecendo em ritmo acelerado — e essa transformação já provoca efeitos diretos no mundo do trabalho. Segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população com 65 anos ou mais cresceu 57,4% em apenas 12 anos, passando a representar 10,9% do total. Ao mesmo tempo, o número de crianças e adolescentes encolheu: em 2010, eles eram 24,1% da população; em 2022, apenas 19,8%. O resultado é claro: a pirâmide etária brasileira está se invertendo.
Se a realidade demográfica muda, o mercado também precisa se adaptar. Para o professor universitário e doutorando em Administração Reidene de Oliveira Silva, o momento abre espaço para que o mercado repense a forma como enxerga o profissional com mais de 50 anos.
"De fato, temos hoje um envelhecimento populacional muito mais acentuado do que no passado. Isso gera uma oportunidade de absorvermos a mão de obra 50+, aproveitando sua experiência para agregar valor às empresas. Essa convivência entre gerações pode ser positiva, desde que organizada, favorecendo um ambiente intergeracional mais saudável e produtivo. O profissional mais maduro traz resiliência, maturidade e vivências que podem contribuir significativamente para as organizações", explica o pesquisador.
Embora o cenário tenha experimentado mundanças, o estigma do etarismo ainda se mostra presente. E neste sentido, Reidene alerta que conceitos equivocados devem ser revistos e que integrar a mão de obra jovem com 50+ só traz vantagens para as empresas.
"Muitas vezes existe o estigma de que o profissional maduro não acompanha as mudanças, mas isso depende de como a organização conduz o processo. Quando há treinamentos, planejamento e liderança preparada, a integração é possível e benéfica. A mentoria reversa, em que jovens e mais experientes aprendem uns com os outros, já é realidade em algumas empresas e traz ótimos resultados".
Um levantamento da consultoria Michael Page mostrou que 41% dos profissionais brasileiros já sofreram algum tipo de discriminação etária no trabalho (etarismo). Outro estudo, do Grupo Croma, revelou que 86% das pessoas acima de 60 anos afirmam ter vivido preconceito por idade, e que 70% das empresas contratam pouco ou nenhum trabalhador com mais de 50 anos.
Para Reidene, esse preconceito provoca perdas não só individuais, mas também organizacionais: “Muitas vezes, a empresa substitui um profissional mais velho por um mais jovem, visando economia na folha de pagamento. Mas esquece o custo intangível: todo o capital intelectual acumulado ao longo de anos se perde. Esse é o que chamamos de ‘fuga do conhecimento’”.
Identidade e ressignificação
Na pesquisa de doutorado que conduz, Reidene entrevistou profissionais 50+ de diferentes áreas e identificou um fenômeno que chama de “assimetria de identidade”: a distância entre a forma como o trabalhador se enxerga e como é visto pelo ambiente ao seu redor.
“Há quem encare essa etapa da vida como uma oportunidade de florescer novas competências. Mas também existem aqueles que mantêm uma identidade fragilizada, com dificuldade de transição”, explica. O tema ganha contornos específicos no caso das mulheres: “A menopausa é um marco importante nesse período, mas muitas vezes não é compreendida pela empresa ou pelo ambiente familiar. Falta acolhimento e gestão para lidar com esse momento”.
A integração entre diferentes gerações no ambiente de trabalho nem sempre é simples. Conflitos de expectativas e estilos podem surgir, especialmente em setores de alta demanda tecnológica. Mas o professor acredita que, com estrutura e liderança, a convivência é possível e benéfica.
Além disso, a alta rotatividade da geração mais jovem também tem levado empresas a valorizar a estabilidade dos profissionais mais experientes. “O 50+ tende a ter maior permanência, comprometimento e estabilidade. Isso é um ativo importante em um cenário de mudanças rápidas e equipes voláteis.”
Maturidade adaptativa: a chave para o futuro
Diante dos preconceitos e desafios, o professor é claro: o profissional 50+ precisa desenvolver o que chama de maturidade adaptativa. “É usar seu repertório e sua experiência para se adaptar a um ambiente competitivo, que valoriza constantemente o novo. Isso exige autoconhecimento: saber onde sou mais produtivo, que atividades posso compartilhar, onde posso aprender. Quando compartilho conhecimento, abro espaço para aprender. Ampliando meu aprendizado, amplio minha rede e minha visibilidade. E visibilidade é essencial para se manter relevante”, defende.
Outro ponto crucial é o aprendizado contínuo. Para Reidene, a mentalidade de que “o que aprendi até aqui basta” já não se sustenta. “Diversos profissionais 50+ que entrevistei reforçam: é preciso buscar conhecimento o tempo todo, em todas as áreas. O futuro será cada vez mais de quem se mantém atualizado.”
Projeções indicam que até 2050 quase metade da força de trabalho mundial será formada por profissionais acima de 50 anos. Nesse contexto, tanto trabalhadores quanto empresas precisam se preparar.
De um lado, cabe ao profissional investir em capacitação, autoconhecimento e visibilidade. De outro, cabe às organizações rever práticas, abrir espaço para a diversidade etária e criar ambientes de integração.
“O mundo é dinâmico, e precisamos estar conectados para entender como as transformações impactam nossa carreira e nossa vida. Se sei que metade da força de trabalho em breve será 50+, por que não me preparar para ocupar esse espaço e valorizar quem já está nele?”, questiona Reidene.
Confira a entrevista na íntegra: