O STF (Supremo Tribunal Federal) tem se dividido em relação à iniciativa da CPI da Covid no Senado de ampliar as quebras de sigilo de investigados a fim de apurar a disseminação de fake news desde 2018, ano em que o presidente Jair Bolsonaro se elegeu presidente.
Em decisões recentes, os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes mantiveram medidas aprovadas pelos senadores para acessar dados sigilosos de alvos da comissão, mas restringiram as quebras ao período de março de 2020, quando foi decretado estado de calamidade pública em virtude do alastramento da Covid-19, até hoje.
O ministro Kassio Nunes Marques também tomou decisões similares, mas foi além: vetou integralmente quebras de sigilo que retroagiam por mais de três anos sob o argumento de que foram embasadas de maneira genérica.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia, por sua vez, não viram problema no fato de a CPI ampliar as investigações para apurar a propagação de notícias falsas por apoiadores de Bolsonaro desde 2018.
Cármen Lúcia, por exemplo, manteve a quebra de sigilo de José Pinheiro Tolentino, dono do site "Jornal da Cidade Online", uma das principais páginas bolsonaristas na internet. A ministra classificou a justificativa da comissão para que a medida alcançasse o ano de 2018 como "suficiente".
No requerimento aprovado pela CPI que a ministra considerou válido, os senadores apontaram Tolentino como "protagonista na criação e/ou divulgação de conteúdos falsos na internet, desde a campanha eleitoral de 2018", o que tornou "relevante à investigação a fixação do início da quebra de seu sigilo a partir do referido ano de 2018".
Assim, segundo a comissão, será possível analisar "suas movimentações bancárias no período anterior à pandemia, em comparação com relação ao período posterior à decretação da pandemia até o presente momento".
Lewandowski seguiu a mesma linha ao indeferir o pedido do ex-ministro Eduardo Pazuello para que a quebra de seus sigilos fosse anulada pelo Supremo.
O ministro afirmou que a medida pode alcançar anos anteriores para que a comissão consiga comparar seus dados durante a pandemia aos que antecederam o início do alastramento da doença.
"Ainda que as quebras de sigilo abarquem período anterior à pandemia, verifico que o objeto da CPI não impõe limites cronológicos rigorosos àquilo que possa ser investigado pelos senadores da República", afirmou.
Ambos vão na contramão do entendimento de Fachin e Gilmar.
Em 4 de agosto, Fachin limitou o acesso a dados sigilosos de Mateus Matos Diniz, coordenador-geral de Projetos Especiais da Secretaria de Publicidade e Promoção do Ministério das Comunicações e suspeito de integrar o gabinete do ódio que opera a disseminação de fake news da militância bolsonarista.
O ministro citou que a medida faz parte da frente de investigação da CPI que mira a propagação de fake news e o "eventual financiamento ou enriquecimento decorrente da disseminação das notícias falsas".
O magistrado ponderou, no entanto, que a comissão não pode quebrar sigilos anteriores à pandemia
"A extensão do período de quebra para alcançar informações 'desde o início de 2018' extrapola o objeto da CPI, instaurada especificamente para apurar 'as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil'", disse.
As informações de mais de três anos atrás, segundo Fachin, são "extemporâneas e, assim, impertinentes ao objeto da comissão".
Gilmar citou a decisão do colega para impor restrição parecida em relação à produtora de vídeos Brasil Paralelo, que tem viés conservador e publicou gravações contra recomendações da OMS como uso de máscara e isolamento social.
O magistrado afirmou que ambos os casos tinham "balizas fáticas similares" e, por isso, deveriam ter a mesma solução: a manutenção da quebra de sigilo, mas restrita ao período da pandemia.
A ideia dos senadores de investigar a disseminação de fake news surgiu após o início da CPI. Os congressistas identificaram a necessidade de apurar a atuação de pessoas próximas ao presidente e de páginas na internet que o defendem na propagação de notícias falsas sobre a pandemia da Covid-19.
Críticas infundadas à eficácia das vacinas, notícias falsas sobre o uso de máscara e ataques a medidas respaldadas pela ciência contrárias à formação de aglomerações são algumas das notícias fraudulentas difundidas por esses grupos que entraram na mira da CPI.
A extensão das quebras de sigilo de 2018 até hoje foi direcionada a todos os alvos da comissão, e não apenas aos investigados por disseminar mentiras na internet. Isso ocorreu em julho, por sugestão do senador Alesssandro Vieira (Cidadania-SE), um dos principais críticos de Bolsonaro no colegiado.
Ele argumentou que a ampliação do período permite "a análise comparativa entre os períodos pré e pós-pandemia" e contou com a anuência da maioria dos senadores.
Os congressistas governistas, no entanto, fizeram duras críticas à medida, que foi vista nos bastidores como uma forma de encontrar inconsistências nos dados de aliados do presidente no período eleitoral.
Entre os bolsonaristas que estão sendo investigados pela CPI por disseminar notícias falsas, também está Allan dos Santos, do canal Terça Livre, um dos mais populares entre os militantes do presidente.
Na semana passada, a comissão determinou a quebra de seus sigilos telefônico, telemático e bancário. Dias depois, ele acionou o STF para que a medida seja anulada pela corte.
O sorteio de relatoria do pedido, porém, indica que Santos pode não ter sucesso no tribunal. O processo foi distribuído para a ministra Rosa Weber.
Diferentemente de Fachin, Gilmar e Kassio, ela já manteve quebras de sigilo retroativas a 2018. Isso ocorreu no caso de Tercio Arnaud, assessor especial da Presidência da República.
A ministra não entrou no mérito do marco temporal do acesso aos dados sigilosos, apenas manteve a medida e disse que não houve "desvio de finalidade" por parte da comissão em seu caso.