Muitas crianças e adolescentes usuários de redes sociais, jogos, chats, salas de bate papo e e-mail estão no mundo digital entregues à sua própria sorte. Antes da Internet, pais, avós, padres, pastores, professores e amigos mais esclarecidos eram quem acompanhavam as crianças e os adolescentes rumo ao mundo adulto. Hoje, muitos deles são assistidos também por desconhecidos, pessoas que não se sabe de onde vieram, onde estão e com que propósito dialogam com as crianças e os adolescentes.
O uso da internet e a presença nas redes sociais são atividades frequentes de crianças e adolescentes. A pesquisa TIC KIDS Brasil, 2024, mostrou que 93% da população brasileira de 09 a 17 é usuária da Internet. Seus pais também: 92%. Destes usuários, 29% disseram ter passado “por situações Ofensivas”. Mas o que as crianças e adolescentes fazem na internet? Com quem conversam? Que mensagens recebem? O que compartilham?
Segundo a pesquisa, 77% dos responsáveis pelas crianças e adolescentes acreditam que seus filhos navegam com segurança na Internet. Porém, somente 31% disseram contar aos pais e ou responsáveis o que acontece com eles na Internet. 29% contam para amigos e amigas da mesma idade, 32% para outras pessoas em quem confiam e 13% não contam para minguem. 30% das crianças já tiveram contatos com pessoas desconhecidas, 12% disseram que já foram tratados de forma ofensiva e 42% relataram ter visto alguém ser discriminado na internet.
Mas é o comportamento misógino e machista entre crianças e adolescentes que mais assusta os estudiosos da área. Laura Bates, pesquisadora e escritora britânica afirma que os algoritmos estão estimulando meninos adolescentes a nutrir pelas mulheres comportamentos e atitudes misóginas, que eram típicos de adultos. Para ela, com a inteligência artificial questões como essa tendem a ficar mais complexas, conforme relatou no podcast Radical with Amol Rajan, da BBC Radio 4.
A pesquisa "Algoritmos, violência e juventude no Brasil: rumo a um modelo educacional para a paz e os direitos humanos", conduzida pela Think Twice Brasil com adolescentes e jovens de 13 a 24 anos mostra como o conteúdo violento influencia condutas violentas em ambientes não virtuais. Para a instituição, é a educação pela paz e o uso responsável da internet o modelo preventivo ideal.
Segundo a pesquisa, 84% dos participantes já encontraram nas redes sociais “conteúdo violento” e ou vídeos “discriminatórios, de humilhação”. Destes adolescentes e jovens, 26,4% disseram se sentiram motivados a “atacar verbalmente ou fisicamente outras pessoas” depois de assistir a vídeos violentos. Já 15,3% dos jovens disseram que atacaram verbalmente e ou fisicamente pessoas após consumir conteúdo violento nas redes sociais.
O que Laura Bates defende em sua fala sobre o crescimento do machismo entre os jovens e adolescentes não é a existência de uma geração misógina, mas de crianças, adolescentes e jovens expostos a uma cultura da violência patrocinada e impulsionada nas redes sociais. São Algoritmos voltados ao extremismo, que alcançam os usuários quando eles visitam determinados sites. Sem formação, orientação e com quem conversar, a depender do seu contexto e de preferências culturais, aquilo que chega até ele estimulando a violência pode fazer sentido.
A grande questão discutida por muitos autores é que não há necessidade de procurar na internet exemplos de violência, de pressão psicológica, automutilação ou quaisquer outras práticas de violência que rodeiam os jovens, esse material chega sem ser procurado. Vídeos sobre o “resgate a da masculinidade”, por exemplo, estão disponíveis na fala de padres, pastores e influencers que acham que o homem está perdendo espaço e poder.
Como bem lembraram Marcio Jose Pereira e Luciane Cristina Gamas no artigo “Redes Sociais, masculinidade hegemônica e violência: o machismo como elemento (des) civilizacional no Brasil”, o machismo e outras violências sofridas pelas mulheres são sintomas de um retrocesso civilizatório. Mato Grosso, com o rastro de violência contra as mulheres que vai deixando na história contemporânea é um quadro decadente de de pessoas que estão desaprendendo a conviver na interdependência e regulações de convivência social.
Quando autoridades públicas, religiosos e demais influenciadores subvertem as normas sociais da boa conduta para defender ideologias machistas, prevalência do homem, negócios, interesses pessoais ou familiares, eles estão dizendo às crianças e jovens que os ouvem e veem que a barbárie, o caos, é o caminho. Ao contrário. Caos beneficiam seus patrocinadores, somente a eles. Os demais pagam a conta.
https://www.scielo.br/j/es/a/gHqbgZSmmZ7xcS5by7WsdxM/
https://cetic.br/media/analises/tic_kids_online_brasil_2024_principais_resultados.pdf
https://www.bbc.com/audio/play/m002d8wf
https://www.ttb.org.br/algoritmos
https://periodicos.ufms.br/index.php/persdia/article/view/12781
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